A vocação do nosso tempo

Catequese
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Todo homem possui uma vocação especial, porque Deus o quer e ama de modo particular. As épocas históricas, igualmente, possuem uma vocação específica. Qual é a vocação do séc. XXI, dentro da qual podemos descobrir a nossa vocação pessoal?

Roberto de Mattei.

Adelante la fe, 09 de novembro de 2018.

[https://adelantelafe.com/la-vocacion-de-nuestra-epoca/].

Tradução. Bruno Braga.

 

Todo homem tem uma vocação concreta. O que Deus pede a toda alma, isso é a sua vocação, a forma específica que a Providência quer que cada pessoa aja e se desenvolva. Todo homem tem uma vocação especial, porque Deus o quer e o ama de um modo particular. Não há duas criaturas totalmente idênticas, pois a vontade de Deus é distinta para cada criatura, e toda criatura que saiu do nada e apareceu no tempo é irrepetível.

O padre Faber dedica uma de suas conferências espirituais a este tema: Todos os homens têm uma vocação particular concreta especial (Spiritual Conferences, Burn & Oates, Londres, 1906, pp. 375-396). Toda pessoa tem uma vocação concreta, distinta da de qualquer outra, porque Deus ama cada um com um amor personalizado.

Em que consiste esse amor especial de Deus para comigo? Antes de tudo, Deus me criou, infundindo no meu corpo e na minha alma as características e qualidades que foram do seu agrado. E não só me criou, mas me mantém vivo, me fornece o ser pelo qual eu existo. Se por um só instante Deus deixasse de me infundir o ser, eu me diluiria no nada do qual Ele me retirou. Uma vez que nos criou, Deus não nos deixa à mercê da sorte.

Todos os cabelos da nossa cabeça estão contados (Mt. 10, 30), e não cai um só fio sem que o Senhor permita (Lc. 21, 18). Se até o número e a queda dos meus cabelos está calculada, o que mais não estará calculado em nossa vida?

Em uma palavra: Deus formulou as leis do meu desenvolvimento físico, moral e intelectual, e as leis do meu desenvolvimento sobrenatural. Como o fez? Por meio de certos instrumentos. Quais instrumentos? As criaturas com as quais me encontro em minha vida. No seu célebre Cristianesimo vissuto (Edizioni Fiducia, Roma, 2017), o cartuxo Pollien nos convida a calcular o número de criaturas que contribuíram para a nossa existência.

Influências físicas como o tempo, as estações do ano, o clima, a influência moral dos nossos pais e mestres, dos amigos e inimigos que tivemos, cada livro que lemos, as palavras que ouvimos, o que vimos, as situações com as quais nos deparamos… nada disso é fruto do acaso, pois a casualidade não existe; tudo tem uma razão de ser.

Essas influências e ações são obra de Deus, que age em nós. Todas essas criaturas, explica o padre Pollien, Ele as põe em movimento e não têm outro efeito sobre nós senão o que Deus quer que tenha. Tudo acontece no momento determinado, age no ponto exato, produz o movimento necessário para exercer uma influência física, moral e intelectual em nós.

Essa influência é a graça atual. A graça atual é a ação sobrenatural que Deus exerce sobre nós a todo momento através das criaturas. As criaturas são instrumentos que transmitem a graça. São os meios dos quais Deus se vale para um único fim: formar santos. Tudo que acontece, tudo que se faz, disse São Paulo, contribui sem exceção para a mesma obra, e essa obra é o bem daqueles que a vontade de Deus chama à santidade (Rom. 8, 28).

Como devemos corresponder a esse agir ininterrupto da graça em nossa alma? Perguntaram a um religioso muito próximo de São João Bosco se em meio às suas inumeráveis obras, de sua vida agitada, se Dom Bosco ficava alguma vez preocupado. O religioso disse: “Dom Bosco nunca pensou no que estava prestes a fazer no próximo minuto”. São João Bosco, que compreendia a ação da graça, sempre tratou de fazer a vontade de Deus no momento presente. E por esse caminho realizou a sua vocação.

Junto à estação central de Roma está a basílica do Sagrado Coração, levantada por Dom Bosco à custa de enormes sacrifícios, e pouco antes de morrer. A basílica foi solenemente consagrada pelo cardeal vigário no dia 14 de maio de 1887, com a presença de várias autoridades civis e religiosas.

No dia 16 de maio, o próprio Dom Bosco celebrou a Missa no altar de Maria Auxiliadora; foi a sua única celebração na igreja do Sagrado Coração e, como recorda uma lápide descoberta por ocasião do centenário da consagração, a Missa foi interrompida quinze vezes pelos soluços do idoso sacerdote, que entendeu o significado do seu célebre sonho, aos nove anos de idade. Naquele momento, Deus lhe revelou que, desde a infância, toda a sua longa vida terrena havia sido preparada e dirigida por Deus para cumprir a sua missão neste mundo.

Cada alma tem a sua vocação, porque tem uma função particular para cumprir no Corpo da Igreja. Quem tem vocação religiosa não a tem para si, mas para a Igreja.

Existem vocações de solteiros; existem vocações de família, e não só as naturais, mas também famílias sobrenaturais, e com os seus diversos carismas; existem também vocações para povos, sobre as quais tanto falou Plínio Corrêa de Oliveira. Toda nação tem uma vocação específica, que é a missão atribuída pela Providência na história. Mas não somente nascemos em uma família e em um povo.

Vivemos também em uma época histórica determinada. E dado que a história é também criatura de Deus, Deus pede algo diferente em cada época da história. Cada época histórica tem a sua vocação. A vocação predominante nos primeiros séculos da Igreja foi a disposição para o martírio. Tem também o século XXI sua vocação particular, dentro da qual podemos descobrir nossa vocação pessoal?

A vocação do nosso tempo é corresponder ao desejo do Céu que a própria Virgem nos revelou em Fátima: “por fim Meu Imaculado Coração triunfará”. É a vocação de quem, no interior de um claustro, na rua, com oração, por meio de escritos ou da palavra falada, combate com suas ações pelo cumprimento dessa promessa.

O triunfo do Imaculado Coração de Maria será também o triunfo da Igreja, porque o Imaculado Coração de Maria é o coração mesmo da Igreja. O triunfo pressupõe uma batalha que o antecede. E como será um triunfo social, público e solene, a batalha também será social, pública e solene. Ser santo hoje significa travar essa batalha, que se combate antes de tudo empunhando a espada da verdade. Somente sobre a verdade se pode construir a vida do homem e dos povos, e sem a verdade uma sociedade se decompõe e morre.

Hoje é preciso reconstruir a sociedade cristã. E para reconstruí-la, a primeira necessidade que se impõe é professar e viver a verdade com espírito combativo. Quando, com a ajuda da graça, o cristão conforma a sua vida aos princípios do Evangelho e combate na defesa da verdade, não há obstáculo capaz de detê-lo.

No discurso de 21 de janeiro de 1945, diante das congregações marianas de Roma, Pio XII afirmou: “O tempo presente exige católicos sem medo, para os quais seja perfeitamente natural confessar sua fé sem correção, de palavra e de ação, cada vez que exijam a lei de Deus e o sentimento de honra cristã. Homens de verdade, homens íntegros, firmes e intrépidos! Os que o são apenas pela metade, o mundo os deseja, recusa e pisoteia”.

“Deus e a Igreja – escreveu o padre Pollien – pedem defensores, mas verdadeiros defensores, aqueles que nunca dão um passo atrás. Os que sabem ser fiéis às ordens dadas até a morte. Os que se habituam às disciplinas mais severas a fim de estarem dispostos a realizar todos os atos heroicos que o combate exija”.

Os jovens do século XXI não podem ignorar as seduções para transigir com o mundo, mas pedem à Igreja que os exorte ao heroísmo. Na construção das catedrais medievais, participavam arquitetos, pedreiros, ferreiros, carpinteiros, bispos, príncipes, pessoas ilustres e desconhecidos, unidos em um mesmo desejo de glorificar a Deus com as pedras que elevavam ao Céu.

Nós também participamos de uma grande obra. Cada um é chamado a construir sobre as ruínas do mundo moderno uma imensa catedral dedicada ao Imaculado Coração de Maria, que não é outra coisa que o Seu reinado nas almas e na nossa sociedade. Nossos corações são as pedras e nossa voz anuncia ao mundo um sonho que se há de cumprir.

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