Mt 6, 22-34
O Alerta de Jesus
Jesus nos alerta sobre duas coisas em nossa vida: a matéria e o espírito. Ao nos criar, Deus colocou em nós Sua imagem e semelhança. Ao sermos batizados, recebemos do Criador a Luz do Espírito. Pelos sentidos, entendemos o que se passa à nossa volta; pelo espírito, percebemos aquilo que não vemos: "Os olhos da matéria percebem a matéria; os olhos do espírito percebem o espírito." Pela nossa fraqueza no viver, no vai-e-vem da vida material, nossa tendência é crer naquilo que vemos e não crer naquilo que não vemos. Isto é consequência, também, de nosso confinamento na carne e inserção num mundo material. Essa nossa dualidade intrínseca, corpo e espírito, gera em nós um conflito interior durante toda a nossa existência terrena, impondo-nos dura provação: a matéria – mortal – nos atraindo para seus prazeres, efêmeros; enquanto o espírito – imortal – aspira a felicidade eterna ao lado daquele que o criou à Sua imagem e semelhança. Somos por Jesus chamados à vida eterna com Deus, mas para isto é preciso que o espírito se imponha à matéria. Realidade que se faz pela misericórdia de Deus e nosso esforço em consegui-la.
Temos dentro de nós esses dois senhores (crer naquilo que não vemos e crer naquilo que vemos).
Saber que existe
A palavra crer está empregada aqui no sentido de "saber que existe", não no seu sentido religioso. O crer naquilo que vemos e naquilo que não vemos é saber que dentro de cada um de nós existe um senhor que se preocupa com as coisas da matéria, e outro que se preocupa com as coisas do espírito. Esta é a nossa vida terrena.
Vestir-se (soberba)
À primeira vista, pode parecer-nos que Jesus deseja que sejamos desleixados no vestir, ou até mesmo que andemos nus, e ainda que não nos preocupemos com o trabalho, enfim, com a nossa subsistência. "Olhai as aves do céu: não semeiam, nem colhem, nem ajuntam em celeiros. E, no entanto, vosso Pai celeste as alimenta. (…) Aprendei dos lírios do campo, como crescem, e não trabalham e nem fiam. (…) Ora, se Deus veste assim a erva do campo, que existe hoje e amanhã será lançada ao forno, não fará Ele muito mais por vós,…?"
Mas é outro o sentido destas palavras de Jesus. Veja o que Ele diz no final: "Buscai, em primeiro lugar, o Reino de Deus e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas." É a primazia do espírito. É o desapego aos bens terrenos, o despir-se de ambição, de vaidade, de orgulho… É o trabalho honesto que procura tão-somente o sustento digno para si e sua família, sem se preocupar em acumular riqueza. Se antes buscarmos a Deus e procurarmos fazer a Sua vontade, teremos a Sua ajuda e proteção e não nos faltará o necessário. Isto é abandonar-se à Providência.
Salomão e o Lírio do Campo
Jesus nos chama a atenção sobre a sabedoria de Salomão. Disse que Salomão, no auge da sua sabedoria, não estava tão vestido como os lírios do campo. Ora, os lírios do campo se vestem? Que linguagem é esta? Vamos entendê-la.
Jesus diz que, mesmo a sabedoria de Salomão, que estava assistida pelo Espírito de Deus, não era pura, não se via tão desprendida das vestes como está o lírio. Este, cuja única função é ser lírio, nasce do lodo, mas mantém-se puro na sua brancura natural. Ele não se veste bonito para se mostrar a todos, tudo aquilo de que se reveste é a vontade específica de Deus.
Se conseguíssemos ser como o lírio, puros, com essa vestimenta da vontade de Deus, seríamos mais sábios que Salomão, seríamos vestidos em espírito, estaríamos completamente ligados ao Reino de Deus.
O conflito interior
Jesus nos fala da preocupação que temos com as coisas da matéria: o comer, o vestir, o ter. O espírito que existe em nós não participa dessa preocupação, pois foi criado para fazer a vontade de Deus.
Uma coisa é o que usamos, vestimos o nosso corpo, outra é "vestir" o espírito. Posso estar bem vestido por fora e maltrapilho em espírito, ou malvestido externamente e bem vestido em espírito. Esta colocação de Jesus é para entendermos o que é ser bem vestido em espírito: não deixar que esses senhores convivam conosco em pé de igualdade; caso contrário, haverá em nós um conflito que não conseguiremos administrar. Este conflito interior é o grande mal da sociedade: pessoas tensas, estressadas, deprimidas, mal-humoradas.
Exemplos
Na Basílica de Lourdes, onde rezo o Terço às terças-feiras, quantos chegam a mim a fim de que eu peça por eles, a Nossa Senhora, coisas supérfluas. Eles não sabem o que pedem, querem trazer para o espírito a veste da matéria.
Estar nu diante de Deus, em espírito, é o que nos leva ao Reino de Deus. Jesus não está falando para sermos maltrapilhos ou pobres. Podemos inclusive ter dinheiro e saber vestir e empregá-lo bem!
Alguns podem achar que o Céu quer que andemos com uma sandalinha de dedo, com calça pega-frango, cheios de terços dependurados no pescoço. Certa ocasião perguntei a Nossa Senhora se queria que eu fizesse isto, Ela respondeu que nunca me pediu isto, e ainda disse: "Continue como está, para que ande dentro da Igreja sendo respeitado".
Nossa Senhora não estaria incoerente com o Evangelho, Ela sabe o que é vestir a matéria e o que é ficar nu em espírito. Ela me pediu para que eu andasse nu em espírito, mas bem vestido na matéria.
Conclusão: Nós criamos a expectativa da presença de Deus, quando começamos a vestir a matéria e desvestir o espírito. Este Evangelho é pura e simplesmente isto.
Vistam-se na matéria e desvistam-se em espírito.
Referência: LOPES, Raymundo. Saber que Existe: Mt 6, 22-34. In: LEMBI, Francisco (Org.). O Código Jesus. Belo Horizonte: Magnificat, 2007. p. 83.