Mt 7, 21-27
Este Evangelho é quase uma continuação de João 3, 1-8. Ali, numa conversa com Nicodemos, Jesus disse: “…Não te admires de Eu te haver dito: deveis nascer de novo. O vento sopra onde quer e ouves o seu ruído, mas não sabes de onde vem nem para onde vai. Assim acontece com todo aquele que nasceu do Espírito.”
Em Mateus, dando continuidade aos Seus conselhos, Jesus fala: “Muitos me dirão naquele dia (do Juízo Final): ‘Senhor, Senhor, não foi em teu nome que profetizamos e em teu nome que expulsamos demônios e em teu nome que fizemos muitos milagres?’ Então, sem rodeios, Eu lhes direi: Nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, vós que praticais a iniquidade.”
Quando se lê esta passagem, tem-se a impressão de que aquelas pessoas estavam certas ao questionar o Senhor, reivindicando-lhe o reconhecimento pelos seus feitos. Afinal, disseram que haviam pregado, expulsado demônios e realizado milagres em nome de Deus. Por que, então, Jesus fala que não as conhece, que praticaram a iniquidade?
Jesus quis ensinar o seguinte: a racionalidade só se harmoniza com a espiritualidade se bem orientada, bem formada, se nascer de novo, do alto, conforme disse a Nicodemos.
Acontece que o homem, na sua racionalidade isenta de fé, forja a sua religião e um Deus e produz milagres pelo seu lado humano. O homem modela na sua mente uma religiosidade racional, onde ele mesmo expulsa seus demônios como quer e acredita. É esta racionalidade que o faz ver suas criações como sendo de Deus.
O homem cria o Deus que imagina e em seu nome prega, expulsa demônios, faz milagres. Por isso Jesus dirá a esses: Nunca vos conheci. Jesus diz que o homem prudente edifica sua casa sobre a rocha. A rocha significa o racional bem formado, consciente de Deus. Tendo essa racionalidade perfeita, o que não significa cultura intelectual ou elevado coeficiente de inteligência, o homem constrói sobre ela sua espiritualidade.
Isto porque a razão é necessária ao conhecimento de Deus, só assim o homem pode conhecê-lo, de outra forma não seria possível. É usando os sentidos que o homem concebe a ideia de Deus. A visão, a audição, o tato, o olfato e o paladar possibilitam ao homem a leitura, o estudo, a observação das coisas que o cercam, para que possa conhecer e entender Deus.
A espiritualidade caminha a partir da percepção e compreensão alcançadas por essa racionalidade. Se o homem não nascer do alto, não terá a sua espiritualidade desenvolvida e caminhará sempre e apenas na racionalidade, acreditando estar fazendo tudo certo. “…Caiu a chuva, vieram as enxurradas, sopraram os ventos e deram contra a casa, mas ela não caiu, porque estava alicerçada na rocha.”
Isto quer dizer: Deus sopra sobre a casa (a pessoa), que estava segura pela rocha (pela racionalidade consciente de Deus). Deus sopra o Seu poder, a Sua verdade e esta pessoa permanece firme. A casa sobre a rocha não cai.
Portanto, aquele vento é a Verdade de Deus que vem ao encontro da razão aliada à fé. A pessoa compreende tudo e consegue separar o que é racional do que não é. A pessoa na sua perfeita racionalidade, e a partir dela, acredita naquilo que aprende de Deus. “…Por outro lado, todo aquele que ouve estas minhas palavras, mas não as pratica, será comparado a um insensato que construiu a sua casa sobre a areia.”
A areia é a racionalidade inconsistente, sem fundamento, dissociada da verdadeira fé: o homem acredita no Deus que ele quer, que ele mesmo cria. “…Caiu a chuva, vieram as enxurradas, sopraram os ventos e deram contra a casa, e ela caiu. E foi grande a sua queda!”
A Verdade de Deus (o vento) vem sobre aquela casa construída na areia (racionalidade inconsistente), ela cai e sua destruição é completa. Isto porque o racional desunido da verdadeira fé não consegue alcançar o nível do espiritual. No momento em que a Verdade de Deus sopra sobre ele, este desmorona. Isto significa que quando a pessoa perceber que aquilo tudo que ela formou (aquele Deus, seus milagres e seus demônios expulsos) não estava apoiado na verdadeira fé, ela se descontrola e fica perdida.
Deus nos ensina como formar uma racionalidade bem fundamentada, para se ter uma espiritualidade nele. Crer em Deus porque viu coisas boas, sentiu o perfume das flores, a grandeza da criação, enfim, viu o que é bom, viu Deus pelo racional bem informado. Assim, a Verdade de Deus sopra sobre ele e ele permanece forte e firme na fé.
Portanto, o certo é que o homem possa dizer: vou caminhar tranquilo sobre a espiritualidade que conquistei com a minha racionalidade perfeita; não tenho medo da Verdade de Deus e sim temor de Deus.
Mas, se a racionalidade do homem é inconsistente, se apoia no que ele próprio criou num circuito fechado dentro de si mesmo, aí ele deverá ter medo da Verdade de Deus, porque ela fará ruir suas próprias verdades. Este não tem temor de Deus, pois não o conhece. A ele, Jesus também dirá: Eu não o conheço; você acolheu um Deus que você idealizou, feito à sua maneira, na sua racionalidade imperfeita, dissociada da verdadeira fé. Você teve a oportunidade de ver tudo e não quis, você foi um operário mau.
Referência: LOPES, Raymundo. Nunca vos Conheci: Mt 7, 21-27. In: LEMBI, Francisco (Org.). O Código Jesus. Belo Horizonte: Magnificat, 2007. p. 103.