Em sua primeira audiência após retornar de Abu Dabi, o Papa confessou ter se sentido inspirado pelo exemplo de São Francisco, que se encontrou com o sultão em plena Cruzada. Porém, as diferenças são enormes.
Infovaticana, 07 de fevereiro de 2019.
Carlos Esteban.
Tradução. Bruno Braga.
O Papa está excepcionalmente satisfeito com a sua viagem aos Emirados Árabes, que eclipsou por completo a Jornada Mundial da Juventude panamenha. Está contente especialmente com o documento que assinou com o Grande Imã de Al Azhar, Ahmed El Tayeb, sobre a fraternidade universal que, disse ele, “será estudada nas escolas e universidades de vários países”.
De fato, a viagem, e sobretudo o documento, foram o centro de sua primeira audiência após a viagem, na qual assegurou ter se sentido inspirado pelo seu homônimo, São Francisco de Assis, que em meio às violentas Cruzadas entrou sozinho e desarmado em território inimigo para conversar com o sultão.
A comparação, no entanto, é duvidosa. Sustenta-se a analogia no sentido de que, como o de Assis, Sua Santidade entrou em terra do Islã – é o primeiro Papa a pisar o solo da Península Arábica, terra santa para os muçulmanos – em tom de paz para reunir-se com líderes da religião de Maomé e chegar a um entendimento com eles. E aqui terminam as semelhanças.
São Francisco é provavelmente o santo mais popular entre os católicos e, por isso, o mais distorcido e caricaturado. Foi de fato um homem simples ao extremo, apaixonado pela pobreza, pessoalmente impaciente com os aspectos institucionais. Mas está longe de ser o hippie avant la lettre do mito popular, o protagonista do “Irmão sol, irmã lua”. Foi um santo católico, isto é, perfeitamente ortodoxo e mais preocupado com a salvação das almas do que com uma “fraternidade universal” conquistada com a diluição das doutrinas.
Sim, Francisco de Assis avançou pelo deserto sozinho e desarmado, em meio à guerra, até se apresentar na tenda do poderoso sultão al Malik al Kamil. E, sim, entre as suas intenções estava a de evitar a continuação da guerra. Mas o seu “sistema” e principal objetivo não era outro que o de converter o sultão à fé de Cristo, não assinalar os “pontos comuns” entre a fé dele e a nossa. E, não, Francisco de Assis não condenou a guerra empreendida pelos cruzados, convocados pelo próprio Papa da época, mas teve a audácia de justificá-la na presença do “atacado” mesmo.
Vejamos como descreve a cena o Codex Vaticanus Ott.lat.n.552, intitulado Verba fratris Illuminati socii b. Francisci ad partes Orientis et in conspectu Soldani Aegypti:
“O próprio sultão lhe colocou este problema: ‘Teu Senhor ensinou em seus evangelhos que se deve retribuir o mal com o bem, dar a túnica ao que te pede a capa, etc. (Mt. 5, 40): Com maior razão não deveriam os cristãos invadir as nossas terras’. E o Beato Francisco respondeu: ‘Parece-me que não leu o evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo em sua integralidade. Em outra parte, Ele disse: ‘se teu olho te faz pecar, arranca-o e jogue-o longe’ (Mt. 5, 29). Com isso, Jesus nos ensina que, se qualquer pessoa, inclusive um amigo ou parente nosso, e até se nos for querido como a menina dos nossos olhos, devemos estar dispostos a repeli-lo, caso nos afaste da fé e do amor de nosso Deus. Esta é precisamente a razão pela qual os cristãos agem com justiça quando invadem as terras que habitam e combatem, porque vocês blasfemam contra o nome de Cristo e se esforçam para afastá-los o quanto podem do seu culto. Mas, se reconhecerem, confessarem e adorarem o Criador e Redentor, pelo contrário, os cristãos amariam vocês como amam a si mesmos”.
Encontrem vocês mesmos as diferenças.