“A primavera da Igreja é realizada pelos santos”

Infovaticana, 18 de fevereiro de 2018. primavera da Igreja

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Tradução. Bruno Braga.

O Cardeal Robert Sarah fala em uma entrevista da necessidade de reformar a Igreja: “A verdadeira reforma é este chamado constante à conversão. A verdadeira reforma é o que nos disse o Concílio, é o chamado universal à santidade. A beleza da Igreja são os santos”.

Nos dias 6 e 7 de fevereiro, o Cardeal Robert Sarah, prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, esteve na Bélgica e concedeu uma entrevista ao portal Catholbel [1]. Leia:

Na opinião do senhor, quais são, hoje, os desafios aos quais a Igreja Católica deve responder, sobretudo na Europa Ocidental?

Creio que a Igreja enfrenta, atualmente, grandes questões. Em primeiro lugar está a sua fidelidade a Jesus, ao seu Evangelho, sua fidelidade ao ensinamento que recebeu dos primeiros Papas, dos Concílios. É o grande desafio de hoje, mas que nem sempre parece óbvio, porque a Igreja deseja se adaptar ao seu ambiente, à cultura moderna.

O segundo desafio é a fé. A fé diminuiu, não só no âmbito do Povo de Deus, mas também entre os responsáveis pela Igreja; às vezes nos perguntamos se realmente temos fé. No Natal, um sacerdote, durante a Missa dominical, disse aos seus paroquianos: “Hoje não vamos rezar o ‘Credo’, porque eu já não creio. Cantaremos, no seu lugar, um canto que expresse a comunhão entre nós”. Creio que há uma grande crise de fé, uma grande crise em nossa relação pessoal com Deus.

Depois de sua eleição, o Papa Bento XVI, consciente dos grandes desafios da Igreja, dedicou imediatamente um ano a São Paulo. Queria nos levar a uma relação pessoal com Jesus. A vida daquele homem que perseguia a Igreja foi totalmente transformada quando encontrou Jesus. Disse: “Vivo, mas não sou eu quem vive, é Cristo que vive em mim. E minha vida agora na carne, eu a vivo na fé do Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim”.

Depois, Bento XVI quis consagrar um ano ao sacerdócio. Há também uma grande crise sacerdotal. Não porque não haja sacerdotes o suficiente. No século VII, o Papa Gregório Magno disse que havia sacerdotes demais. Hoje existem sacerdotes. Mas os sacerdotes vivem realmente a sua vocação? Por último, Bento XVI quis dedicar um ano à fé. Estes são atualmente os três grandes desafios da Igreja.

Como os cristãos podem descobrir mais Deus e fazer com que Ele seja descoberto pelos que não O conhecem, ou que O redescubram, se eles se afastaram?

Como descobrimos uma amizade? Na relação. Conheço um amigo à medida em que nossa relação se faz mais real e profunda. Pois bem. Jesus, Deus, nós O conhecemos e temos uma relação com Ele se rezamos. Agora, creio que discutimos muito e, talvez, rezamos pouco. Creio que uma das formas de redescobrir Deus e de ter uma relação pessoal com Ele seja através da oração, a oração silenciosa, a oração pessoal, em igualdade. A oração não consiste em dizer coisas, mas é permanecer em silêncio para escutar Deus, que reza em nós. São Paulo disse: “Nós não sabemos pedir como convém”. Deixemos que o Espírito Santo penetre em nós e reze. Ele grita em nós: “Abba, Pai”. E a oração mais bela é o “Pai Nosso”.

Sua Palavra é também um meio para entrar em relação com Deus. Na Sua Palavra é Ele mesmo que está Nela, é Deus mesmo que se expressa e, ao ler a Sua Palavra, conhecemos mais o Seu coração. Conhecemos os Seus grandes desejos para o homem. Ele gostaria que fôssemos santos como Ele, Nosso Pai, é santo.

Também podemos estabelecer um relacionamento com Deus através dos mistérios dos Sacramentos. Os Sacramentos são o meio que Deus inventou para estarmos realmente em um relacionamento com Ele. Quando sou batizado, mergulho na Trindade, como disse o Papa Bento XVI. Quando recebo o Corpo de Cristo, é verdadeiramente Cristo que entra em mim e eu estou com Ele. Com a Confissão, são restabelecidos os vínculos que foram rompidos entre um homem e Deus. Portanto, todos os meios estão ali para que o homem possa reencontrar Deus na verdade.

Desde 2014, o senhor ajuda o Papa a velar sobre a vida litúrgica da Igreja. Por que a Liturgia é tão importante para a Igreja, sobretudo a Eucaristia?

A Eucaristia é a fonte e o cume de toda a vida cristã. Não podemos viver sem Eucaristia. Jesus disse: “Sem mim não podeis fazer nada”. Por isso, é preciso celebrar a Eucaristia com muita dignidade. Não é uma reunião de amigos, não é uma refeição que tomamos de forma leviana, mas é verdadeiramente Deus que se entrega a nós para ficar conosco. Deus é nossa vida, Deus é nosso alimento, Deus é todo para nós. E quer manifestar tudo isso na Eucaristia. A Eucaristia deve ser sagrada e bela!

O meu Dicastério tenta fomentar essa beleza da Liturgia. A Liturgia não pertence a ninguém, não pertence ao Bispo nem ao sacerdote, que não podem decidir fazer isso ou aquilo. Devem seguir o que é indicado nas rubricas, o que indica a Liturgia, as leis da Igreja. É uma forma de obediência. Podem existir coisas que me incomodem, que me pareçam superadas, mas eu as faço, porque é o Senhor quem me pede.

Tentamos fazer compreender que a Liturgia é um grande presente para os cristãos, que devem conservar o que sempre foi vivido. Nós nos adaptamos ao momento atual, podemos nos expressar e cantar em nossos idiomas. A inculturação é possível, mas é preciso compreendê-la bem: não se trata de maquiar o cristianismo com uma maquiagem africana ou asiática… A inculturação é deixar que Deus penetre na minha cultura, deixar que Deus penetre na minha vida. E, quando Deus penetra na minha vida, não me deixa indiferente, mas me transforma. É como a encarnação: Deus tomou nossa humanidade, não para nos deixar da mesma forma, mas para nos elevar a Ele. São Irineu disse: “Deus se fez homem para que o homem se fizesse Deus”. A Liturgia, justamente, transforma-nos em Deus, porque comungamos com Ele e é a razão pela qual também é importante cuidar do silêncio na Liturgia. Certa vez perguntaram a Romano Guardini: “Quando realmente começa a vida litúrgica?”. Ele respondeu: “Quando aprendemos o silêncio”.

Há cinquenta anos, nossa civilização ocidental se distancia cada vez mais de suas raízes cristãs, o que gera mudanças importantes na visão do homem e da sociedade. Na sua opinião, o Ocidente está prestes a perder a sua alma?

O Ocidente está a ponto não só de perder a sua alma, mas também de se suicidar. Porque uma árvore que já não tem raízes está condenada a morrer. Creio que o Ocidente não pode renunciar às raízes que criaram a sua cultura, os seus valores. Penso que é uma crise, mas toda crise tem um fim; seja como for, é o que esperamos.

No Ocidente acontecem coisas assombrosas. Creio que um Parlamento que autoriza a morte de uma criança inocente e indefesa comete uma grave violência contra a pessoa humana. Quando se impõe o aborto, sobretudo nos países em desenvolvimento, dizendo a eles que, se não o aceitarem, não receberão recursos, é uma violência. Não é estranho que isso aconteça. Uma vez que abandonamos Deus, abandonamos o homem. Já não temos uma visão clara do homem. No Ocidente há em ação, atualmente, uma grave crise antropológica, que leva a tratar pessoas como objetos.

Estou seguro de que, se o Ocidente, se a Europa, renunciar totalmente à sua identidade cristã, o rosto do mundo mudará tragicamente. Vocês levaram a civilização cristã à Ásia, à África… e agora não podem dizer de repente que o que nos deram já não tem valor algum. Entre os jovens, vemos que está surgindo uma certa oposição a esta forma de tratar o homem. É preciso rezar para que o Ocidente continue sendo o que foi.

Em 2012, a Igreja Católica celebrou os cinquenta anos do início do Concílio Vaticano II. Podemos dizer, hoje, que o Concílio Vaticano II foi efetivamente aplicado na Igreja?

Só posso repetir o que disse Bento XVI. Existem dois Concílios: de uma parte, o verdadeiro Concílio, que produziu textos; e, por outra, o Concílio dos meios de comunicação, que comentaram os textos surgidos do Concílio. E as pessoas conhecem apenas o Concílio dos meios de comunicação, porque não recorreram aos textos.

Tomemos o exemplo da Liturgia. Na atualidade, aplicamos a Liturgia, mas sem ir ao texto Sacrosanctum Concilium [Constituição do Concílio Vaticano II sobre a Liturgia]. Por exemplo, o número 22, parágrafo 3, diz que ninguém, mesmo que seja sacerdote, pode acrescentar, retirar ou mudar o que está escrito nos livros sagrados. Mas hoje se improvisa, se inventam coisas, com o que não podemos dizer que se está aplicando o Concílio. Penso até que temos muito o que fazer para conhecer o Concílio, ou seja, é preciso ir aos textos e tentar vivê-los como se fossem textos revelados, porque o Espírito Santo estava presente durante esse Concílio.

Muitos abusos são cometidos no âmbito da Liturgia. Muitos acreditam que podem inventar liturgias novas, quando, na realidade, o que se deve fazer é manter uma continuidade. Não há nenhuma ruptura na Igreja, há sempre uma continuidade. O Concílio provocou, de fato, outra visão sobre o lugar da Igreja no mundo, mas creio que, se houvéssemos respeitado os textos, não viveríamos o que estamos vivendo agora.

O propósito da reforma litúrgica era que todos os que creem em Cristo estejam unidos, vivendo bem a Liturgia, e que os que não creem em Cristo venham à Igreja de Deus. Mas, na verdade, o que acontece é que, por um lado, existem aqueles que abandonam a Igreja, e, por outro, os que não conhecem Cristo e não entram Nela. Algumas coisas foram bem aplicadas, mas temos aplicado o Concílio como queremos, sem regras.

O Papa Francisco começou algumas reformas na Igreja. A Igreja deve ser constantemente reformada? Se é assim, em que sentido?

Sim, porque a Igreja está formada por nós, pobres pecadores. Isto significa que sempre temos necessidade de conversão, de nos reformarmos. Não creio que essa reforma diga respeito somente às estruturas da Igreja. Porque, mesmo que as estruturas sejam bem reorganizadas, é necessário que funcionem bem, e são os homens que as fazem funcionar. Se nós não mudamos, não nos reformamos, não se pode reformar nada.

Ademais. Existem duas maneiras de se reformar a Igreja. Ou fazemos como Lutero, criticando-a e a abandonando, ou a reformamos como fez são Francisco de Assis, pela radicalidade do Evangelho, a pobreza radical. Esta é a verdadeira reforma da Igreja: viver plenamente o Evangelho, viver plenamente o que recebemos de Jesus Cristo e da Tradição.

Creio que a verdadeira reforma é este chamado constante à conversão. A verdadeira reforma é o que nos disse o Concílio, é o chamado universal à santidade. A beleza da Igreja são os santos. A primavera da Igreja é realizada pelos santos. Não é o número de cristãos nem as novas estruturas que construímos, mas a santidade da vida cristã.

Qual é o coração do cristianismo?

É “Deus é Amor”. E o amor é exigente. O amor verdadeiro vai até a morte. Amar verdadeiramente é morrer. Exemplo disso é dado por Jesus, que nos amou até o final, até entregar a sua vida. Se conseguirmos viver plenamente segundo este exemplo de Deus, que se revela como Deus de amor, que quer que nós mesmos sejamos amor, porque somos Cristo, então conseguiremos mudar o mundo. Deus é Amor. É o coração do Cristianismo.

(*) Entrevista realizada por Christophe Herinckx e publicada no Cathobel [2].

NOTAS.

[1] Cf. [ ].

[2] Cf. [ ].