Os comunistas que gostam do Papa Francisco. E vice-versa.
Sandro Magister.
11 de outubro de 2017.
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Tradução. Bruno Braga.
Nos últimos dias, aconteceu em Roma um par de coisas surpreendentes e, à sua maneira, reveladoras.
A primeira é o início da colaboração no “Avvenire” [1], o periódico da Conferência Episcopal Italiana, do cartunista satírico Sergio Staino com uma tira dominical intitulada “Hello, Jesus!”.
Aqui a surpresa está no fato de que Staino é um comunista inquebrantável, que foi “filho das flores”, paladino do amor livre, e que tem sido há alguns meses o último diretor do “L’Unità”, o falecido periódico do partido comunista italiano e, depois, dos partidos que o sucederam. É também presidente honorário da UAAR [2], União de Ateus e Agnósticos Racionalistas.
O distraído Jesus de suas tiras até vive em Nazaré com Jesus e Maria, ajuda seu pai nos trabalhos de carpintaria, mas já tem a cabeça em outro lugar, no momento em que irá se converter, enfim, – palavras de Staino – no “primeiro dos socialistas, o primeiro a lutar pelos pobres”.
Entrevistado pelo próprio “Avvenire”, no dia de sua estréia [3], Staino relatou que faz tempo, quando Carlo Petrini, o fundador do “Slow Food”, contou ao Papa Francisco em uma “longa ligação telefônica” que a absolvição sacramental foi negada à mãe de Staino, porque, no longínquo ano de 1948, ela votou no partido comunista, o Papa soltou esta, rindo: “Diga à mãe do seu amigo que essa absolvição eu dou a ela”.
A sua chegada ao “Avvenire” provocou uma avalanche de protestos, incluindo o do editor do periódico, o secretário geral da Conferência Episcopal Italiana, o Bispo Mons. Nunzio Galantino. O diretor do “Avvenire”, Marco Tarquinio, disse aos leitores: “Não estou de acordo. Não entendo que valor as tiras de Staino podem acrescentar ao nosso periódico” [4].
E é precisamente isto que é revelador sobre o fato. Porque agora existe a prova de que o poder de Galantino na Conferência Episcopal e no seu jornal já não conta; o mesmo aconteceu quando o Papa Francisco o nomeou secretário geral e, de fato, seu único lugar-tenente, com o efeito de que cada uma de suas palavras ou decisões pesava como se fossem do Papa em pessoa.
Hoje a Conferência Episcopal tem um novo presidente. É o Cardeal Gualtiero Bassetti, muito mais próximo de Francisco e muito mais hábil em compreender e apoiar os seus desejos.
É cada vez mais evidente que Galantino perdeu o favor do Papa, e o caso Staino o confirma claramente.
E não só. De fato, o diretor do “Avvenire” decidiu por ele mesmo, sem ter “pedido autorização prévia ao editor”, reivindicar nas páginas do “Avvenire” o direito de sua decisão e, ao mesmo tempo, tornar público o irrelevante parecer contrário do Monsenhor Galantino.
Deu uma espécie de adeus justamente no momento em que dava boas-vindas a Staino, por sua vez “absolvido” pelo Papa Francisco.
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O segundo episódio teve como protagonista outro periódico: “Il Manifesto”, o único que na Itália se define “Periódico comunista” [5].
Na quinta-feira, 5 de outubro – que coincidência! justamente no centenário da “Revolução de Outubro” – “Il Manifesto” foi vendido nas bancas com o suplemento de um livro com os três discursos do Papa Francisco aos “movimentos populares” [6], convocados pelo Pontífice pela primeira em Roma, 2014, depois na Bolívia, em 2015, e na última novamente em Roma, em 2016.
Entrevistada pelo “Avvenire”, a diretora do “Il Manifesto”, Norma Rangeri, explicou assim a escolha:
“Sentimos como nossas essas mensagens do Papa e queremos levar aos nossos leitores a radicalidade e a simplicidade de suas palavras. […] Nelas, há uma ideia nova de política; de fato, o Papa cita também Esther Ballestrino de Careaga pela sua concepção de política. É uma comunista paraguaia” (e que foi professora de química do jovem Jorge Mario Bergoglio, que recebeu a visita de suas duas filhas durante sua viagem ao Paraguai em julho de 2015 [7]).
Dos discursos de Francisco aos movimentos populares e de sua visão política, os leitores do “Settimo Cielo” [Sandro Magister] estão já amplamente informados.
Mas, após a publicação deles pelo “Il Manifesto”, podemos obter mais informação. Na verdade, no livro, além dos discursos, há uma entrevista e um epílogo que enriquecem o quadro: a primeira, com o argentino Juan Grabois, e o segundo, escrito pelo estudioso italiano Alessandro Santagata.
Grabois, de 34 anos, filho de um histórico dirigente peronista, dirige atualmente a “Confederación de Trabajadores de la Economía Popular” e, desde 2005, está muito próximo de Bergoglio; quer dizer, desde que o então Arcebispo de Buenos Aires era o presidente da Conferência Episcopal Argentina. Quando foi eleito Papa, Francisco o nomeou consultor do Pontifício Conselho Justiça e Paz, hoje integrado em um novo dicastério para o serviço do desenvolvimento humano integral. E é ele, Grabois, o mais ativo movendo os fios das convocações do Papa com os “movimentos populares”.
A ideia começou a tomar corpo pouco depois da eleição de Francisco. Após a Missa inaugural do novo pontificado – na qual estava presente na primeira fila, junto dos Chefes de Estado, também do argentino Sergio Sánchez, chefe do “Movimiento de Trabajadores Excluidos” – Grabois conta que foi contatado pelo Arcebispo Marcelo Sánchez Sorondo, Chanceler da Pontifícia Academia das Ciências, também argentino e muito ansioso para entrar no círculo dos favoritos do novo Papa.
Sorondo pediu a Grabois que o ajudasse a organizar no Vaticano um seminário intitulado “Emergencia excluidos” que, efetivamente, foi realizado em dezembro de 2013 e no qual também tomou parte João Pedro Stédile, líder no Brasil do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra [MST].
Este seminário foi a antessala da subsequente convocação em Roma, junto ao Papa Francisco, dos “movimentos populares”, uma rede de uma centena de siglas de todo o mundo, sobretudo latino-americanas e, em geral, as mesmas das memoráveis reuniões anti-capitalistas e anti-globalização de Seattle e de Porto Alegre.
Para organizar tanto este como os outros encontros, foi criado um comitê formado por Grabois, Stédile e outros dois ativistas: Jockin Arputham, da “National Slum Dwellers Federation”, e Charo Castelló, do “Mouvement Mondial des Travailleurs Chrétiens”. E mais o jesuíta Michael Czerny, hoje subsecretário do departamento de imigrantes e refugiados do dicastério para o desenvolvimento humano integral, departamento do qual o Papa Francisco reservou pessoalmente para si mesmo a direção. Segundo Grabois, o papel do padre Czerny tem sido até aqui “de vital importância para a reunião com as distintas organizações populares”.
No livro editado pelo “Il Manifesto”, tanto Grabois como Santagata observam que boa parte dos “movimentos populares” nos quais o Papa confia são críticos com relação à instituição Igreja e estão em contraste com os dogmas católicos a respeito de questões como o aborto ou os direitos dos homossexuais. Mas “tais contradições não condicionam muito os trabalhadores dos encontros, porque estes se concentram em temas concretos como a luta por terra, casa e trabalho”.
Uma quarta convocação dos “movimentos populares” havia sido prevista em Caracas, para outubro deste ano. Mas foi suspensa por causa do desastre em que foi lançada a Venezuela.
Em compensação, começaram a ser realizados encontros em escala regional. O primeiro foi levado a cabo em Modesto, Califórnia, de 16 a 19 de fevereiro de 2017, para os movimentos dos Estados Unidos. Outro aconteceu de 20 a 21 de junho em Cochabamba, Bolívia, para os movimentos da América Latina.
O Papa se conectou por videoconferência com o encontro de Modesto, lendo um discurso perfeitamente alinhado com os anteriores [8].
Não o fez, ao contrário, com os movimentos reunidos em Cochabamba. Com relação a essas reuniões em escala regional, Santagata escreve:
“Como me contou [Vittorio] Agnoletto, no último encontro, que aconteceu no Vaticano, foram levantadas críticas sobre a proposta de estruturação por redes que, no seu entender, corre o risco de dar vida a uma série de “caixas vazias” em competição com a organização do Fórum Social Mundial”.
Agnoletto, eleito em 2004 por cinco anos para o parlamento europeu nas listas da “Rifondazione Comunista”, tem sido durante muito tempo o representante italiano no conselho internacional do Fórum Social Mundial, nascido em Porto Alegre, e tem participado em distintos encontros no Vaticano sobre estes temas.
Entre o Fórum Social Mundial e os “movimentos populares” amados pelo Papa Francisco há cada vez mais desacordos. Segundo Grabois, o primeiro “foi traído em sua essência para se transformar em uma série de rituais ou de atividades turísticas para os militantes”.
Enquanto que os segundos, os movimentos abençoados pelo Papa, são hoje os únicos capazes de “promover a organização comunitária dos excluídos, com o fim de construir desde baixo a alternativa humana a uma globalização marginalizadora”. Inclusive com o custo de sair dos “limites estreitos da democracia oficial” e adotar “práticas que poderiam ser consideradas criminosas pelos Estados”.
NOTAS.
[1]. Cf. [].
[2]. Cf. [].
[3]. Cf. [].
[4]. Cf. [].
[5]. Cf. [].
[6]. Cf. [
[7]. Cf. [].
[8]. Cf. [].