O Anticristo

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Na Capela Magnificat, Lúcifer relata a sua atuação na Igreja. “Comecei fazendo tudo para que desacreditassem na minha existência. Transformei uma grande parte da Igreja num antro de homossexuais, bissexuais, ladrões e assassinos. Recriei, ao meu modo, o pensamento cristão. Vou abolir o Sacrifício Perpétuo. Aliás, o plano já está a caminho”.

23 de dezembro de 1999 

Eu e o padre Rubem estávamos na Capela Magnificat conversando sobre o Anticristo. Lembro que argumentei com ele sobre a minha incredulidade em ver nessa entidade uma ameaça formal à Igreja, porque tinha em mente a figura de Nossa Senhora sempre vigilante e a força do próprio Jesus a protegê-la de qualquer ataque que a levasse à destruição. Depois levei o padre até o portão, voltei à capela e fiquei por alguns instantes perto do Sacrário.

De repente, olhei para o chão, mas não vi o piso. Tinha a sensação de estar no ar a uma altura enorme. Em seguida, senti uma inexplicável secura na boca, uma sede horrível. Tentei me equilibrar da melhor maneira possível, e me dirigi à porta da capela. Ela se fechou com violência, quase quebrando os vidros. Sentei no chão e comecei a rezar o Pai-Nosso. A porta então se abriu. Eu saí, e não sei por que fui até o portão onde havia deixado minutos atrás o Padre Rubem. E lá estava ele, mas esquisito, imóvel, com um rosto que mais parecia de cera. 

Vendo-me, ele se aproximou: 

– Gostou, filho de uma égua?…

Eu levei um susto, porque nunca havia presenciado o padre falar palavrão gratuitamente. Eu não tinha feito nada que o pudesse ter ofendido. 

– Que é isso, padre, o que está acontecendo? – perguntei.

– Nada!… Você não deseja voltar comigo?

– Onde?…

– Àquele buraco onde você estava, do qual tentei tirá-lo, mostrando-lhe a liberdade de voar! Mas você é burro e ignorante, tendo na mente somente aquilo que não presta.

– O que não presta? Eu estava na capela, padre, você sabe disso! Por que fala assim?… 

– O Homem que morreu na cruz!… Vamos lá, quero mostrar algo que vai lhe interessar. 

Dizendo isto, ele pegou no meu braço, e percebi que a sua mão estava gelada.

– Por favor, padre, me larga!… 

– Quando estivermos lá, dentro daquele buraco! – ele respondeu, rindo.

De repente vi aproximar-se uma criança de mais ou menos oito anos, olhos azuis e pele clara. Chegou, colocou a sua mãozinha sobre a mão do padre e disse: 

– Não dissimule na figura do sacerdote. Deixe Daniel em paz.

O padre estremeceu todo e transformou-se num homem desconhecido, largando o meu braço imediatamente. Esse homem tentava a todo custo não olhar para o menino. Nisso percebi o perigo que corria. Tentei sair logo dali, mas o menino me disse: 

– Você errou deixando entrar em seu coração dúvidas ou certezas que você não domina. O Senhor determina que você me acompanhe à sua presença. E isto será feito agora, sem demora.

E virando para o homem, disse: 

– O Senhor permite que você mostre a ele o que deseja. Mas isto será feito conforme a vontade dele, e não a sua.

Descemos a rampa que dá para a capela. Estranhamente, não vi ninguém da casa. Estávamos literalmente sozinhos, apesar do horário, e um silêncio absoluto dominava tudo. Ao entrar na capela o menino fez uma reverência, mas o homem permaneceu imóvel, transformando-se numa estátua. E o menino me disse: 

– A partir de agora, fique distante de nós, não tente aproximar. Coloque o seu pensamento no Senhor, como lhe ensinou a doce Senhora.

Eu comecei então a pensar nos momentos em que via Nossa Senhora. Lembrava do seu rosto brilhante como o sol, dos seus movimentos suaves e palavras. Depois comecei a pensar no Céu, conforme tinha visto na Praça do Papa, em 11 de fevereiro de 1997. Olhei então para a parede lateral da capela, onde existe um crucifixo grande. 

O menino aproximou-se do homem, que ficara como uma estátua, e tocando na sua cabeça, ela ficou como ouro polido. E uma cena descortinou-se, onde vi homens, mulheres e crianças sendo sacrificados de todas as maneiras. Vi pessoas tentando erguer casas enormes sem resultado, palácios ruindo, terremotos etc. 

E o menino disse ao homem: 

– Diga a ele o que significa isto. 

– Isto significa os primeiros 600 anos da cristandade.

– O que fez, então? 

– Persuadi os cristãos a se colocarem contra governos e poderes absolutos, ditatoriais, e déspotas, oferecendo-se como vítimas para honrar Aquele que morreu na cruz.

– Por que fez isto?

– Porque sabia que incutiria nos corações daqueles que honravam o Homem que morreu na cruz um profundo e sutil sentimento de vingança. Fiz com que ruísse o grande império romano. Sabia que de um imperador sairia a liberdade que os faria crescer para alcançar o primeiro degrau da soberba. Sabia que deste sentimento, mascarado por um pseudo-amor, brotaria um ódio mortal a todos os que não cultuassem Aquele que morreu na cruz.

– E isto se fez? 

– Sim, isto se fez conforme planejei – respondeu o homem.

Depois, o menino se aproximou da estátua e, tocando-lhe o peito e os braços, ela ficou como que de prata polida. Surgiu então uma cena onde igrejas eram construídas, cidades sendo erguidas, muita riqueza em grandes palácios, homens da Igreja ricamente vestidos, pinturas sendo feitas etc.

– Diga a ele o que significa isto.

– Isto significa mais 600 anos da cristandade. 

– O que fez, então?

– Persuadi os cristãos a um temor à minha presença, para que com isso cometessem barbaridades em nome d’Aquele que morreu na cruz. Fiz com que uma boa parte da Igreja crescesse e se tornasse fútil e sem piedade para com os mais fracos. Coloquei no poder da Igreja homens dispostos a me servir, e os distribuí entre os poderosos. Provoquei guerras e desavenças entre os cristãos. 

– E isto se fez? 

– Sim, isto se fez conforme planejei – respondeu o homem.

Em seguida, o menino se aproximou da estátua e, tocando-lhe a barriga e as coxas, ela ficou com a aparência daquele bronze com que se faz sinos. E apareceu uma nova ordem mundial: máquinas sendo construídas, cidades modificadas, escolas, navios no mar… Vi congregações sendo criadas, a Igreja se expandindo pelo mundo e a humanidade caminhando para uma nova etapa.

– Diga a ele o que significa isto.

– Isto significa mais 600 anos da cristandade. 

– O que fez, então?

– Promovi que o poder da Igreja se consolidasse no mundo, tendo sempre o cuidado para que nunca faltasse ao alto comando, ao Supremo Pastor, alguém que se rendesse à minha vontade. Incuti no coração de uma boa parte dos cristãos uma dose de egoísmo, inveja. Tornei-os mentirosos. Consegui que reis católicos fizessem alianças com não-católicos em prol do ajuntamento de riquezas. Dei poder a reis déspotas, para que se tornassem meus fiéis escudeiros e provocassem na Igreja divisões e cismas.

– E isto se fez? 

– Sim, isto se fez conforme planejei – respondeu o homem.

Depois, o menino disse: 

– Toco agora nas pernas deste homem. 

E elas se transformaram em esquisitas placas de ferro. 

– Mostre a ele o que virá, se pode.

– Posso e mostrarei, pois até aqui consolidei o meu plano. Comecei fazendo tudo para que desacreditassem na minha presença e na minha existência. Foi fácil, pois os dominei com o próprio veneno que os cristãos criaram nesses séculos passados. Criei outras divisões e seitas, cartomantes, horóscopos… Transformei a cristandade em corações de ferro. Nada mais é necessário fazer. Os próprios cristãos farão o resto, sem necessitar do meu incentivo. Consegui nesses 1800 anos transformar o Homem que morreu na cruz num personagem inexpressível e sem propósito para o próximo século, quando então nada restará. Recriei, ao meu modo, o pensamento cristão. Transformei uma grande parte da Igreja num antro de homossexuais, bissexuais, ladrões e assassinos. Conduzi os seminários para que formassem padres, bispos e cardeais sob o meu comando direto. Consegui, sem esforço algum, que os exorcismos fossem eliminados. Transformei grande parte da Igreja num poder ao meu favor, tão grande que agora posso descansar, pois somente os cristãos, e principalmente os cristãos católicos, detêm essa particularidade de perseguir, matar, roubar, caluniar, destruir os seus semelhantes na fé. Consegui colocar nos mosteiros e seminários a ordem do ódio ao invés do amor, da luxúria ao invés da sobriedade. Vou abolir o Sacrifício Perpétuo. Aliás, o plano já está a caminho, porque são poucos os padres que acreditam na presença do Homem crucificado naqueles abomináveis pães. Estou criando a era da razão, para que vocês façam o que não consegui do Crucificado: me prestar culto e adoração.

O menino então tocou nos pés da estátua, que se transformou numa mistura esquisita de placas de ferro e terra batida.

– Diga o que fez.

– Criei a divisão e uma nova era.

Vi então a ciência se expandindo, guerras terríveis, aviões cortando os céus em todas a direções, pessoas nascendo como mercadorias e expostas em vitrines. Por toda parte havia pessoas comprando e vendendo sem dinheiro, usando uma espécie de cartão contendo várias listas negras separadas por três tarjas maiores formando três grupos de traços. Vi uma explosão enorme, que me pareceu uma bomba. Depois vi uma grande igreja sendo destruída e um homem velho, magro, calvo, olhos negros, orelhas grandes, com vestido de linho chorando. Eu então perguntei a esse homem: 

– Por que o senhor está chorando?… 

– Porque criamos o Anticristo.

– Mas não há tempo para destruí-lo? 

– Não. Nós o criamos, transformando a Igreja em corações de ferro, plantada em terra fofa e sem consistência. Permitimos a semente da divisão entre nós, cristãos, com a nossa intolerância e soberba. E somente o Homem que morreu na cruz por causa de nós e que não cedeu às suas tentações poderá fazê-lo.

– Como?

– Recolocando a Igreja sobre a rocha inicial e abominando o Mal que se espalhou no mundo. O Anticristo não suporta o amor puro e desinteressado. Somente este tipo de amor sem fronteiras poderá destruí-lo. Este amor, entre nós cristãos, tornou-se impossível. 

– Mas eu amo o Homem que morreu na cruz, e outros pensam o mesmo. Existe na Igreja padres e leigos que pensam conforme eu penso – argumentei.

– Mas não basta. Para destruir o Anticristo é necessário todo o conjunto: uma só unidade, um só pensamento.

– Não entendo.

– Ele juntou doze à sua volta, mas um se deixou perder do conjunto, daí resultou o embrião do Anticristo. Esse que se apartou do rebanho inicial negou o amor d’Aquele que morreu na cruz, e deu vida a essa abominável estátua que você viu.

– Como o senhor se chama?

Ele voltou-se para mim, com os olhos cheios de lágrimas, e disse:

– Me chamo Pecci1.

Depois o menino falou: 

– O Senhor, que me permitiu mostrar todas essas coisas, e a doce Senhora, que interveio para que isso pudesse ser revelado, pedem para que você escreva e guarde reserva até o terceiro Natal do milênio, para depois ser revelado no dia 5 de junho do ano que se seguirá.

– Por que essa data? 

– O tempo do Senhor não é o seu tempo, o seu tempo não será nunca o tempo do Senhor, e somente o Senhor poderá mudar o que lhe pede que faça. Portanto, faça conforme a vontade do Senhor, e se o tempo for mudado, mudado também será o seu comportamento, para que o faça antes do previsto.

– Como posso escrever tudo isso?… 

– Conforme Daniel escreveu: sob o olhar do Senhor.

Dizendo isto, vi uma espécie de rocha bater na estátua, que se transformou em poeira. O menino saiu pela porta da capela e caminhou pela rampa em direção ao portão. Eu acompanhei os seus passos. Quando ele chegou lá, corri para ver onde ia, mas já tinha desaparecido.

Escrevi tudo o que vi, conforme me foi mostrado.

 

1 Pecci. Não havia entendido bem o seu nome. Mas quando preparava o jornal Magnificat de junho de 2003, no qual foi publicado o diálogo, lembrei que o nome do Papa Leão XIII era algo parecido. Na mesma hora, pesquisando na internet, encontrei: Gioacchino Pecci. E a sua foto coincide com o perfil daquele que vi. Este foi o papa que teve a visão de Lúcifer desafiando Cristo, pedindo-lhe tempo e maior liberdade para destruir a Igreja. Impressionado com a visão, Leão XIII escreveu o Pequeno Exorcismo, publicado por sua ordem em 1884, para uso público e privado, por parte de sacerdotes e leigos.

 

  

Referência: LOPES, R. Um momento crucial e doloroso para a Igreja. In: LEMBI, Francisco. O Terceiro Segredo: A Vinda de Jesus. Belo Horizonte: Magnificat, 2005. p. 132-137.

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