I- Vida pessoal de Raymundo Lopes até 1992
Raymundo Luiz Moreira Lopes nasceu em Ubá, cidade do interior de Minas Gerais, no dia 21 de abril de 1941. Nascido em uma família tradicionalmente católica, foi o terceiro dos cinco filhos de Marino Moreira Lopes e de Irene Queiroz Lopez.
Durante a primeira infância, a vida transcorreu no típico ambiente bucólico de cidade do interior. Na fazenda da família, Raymundo corria pelos campos, apanhava frutas nas árvores e brincava com os animais. Em casa, recebeu uma educação austera e católica. Os terços rezados com a mãe nesta época lhe trariam ternas lembranças mais tarde.
Neste tempo, Raymundo costumava brincar com três amigos sempre que estava sozinho no pasto ou debaixo da chuva. As pessoas, que não podiam vê-los, acusavam Raymundo de inventar histórias e “amigos imaginários”. Um dia Raymundo perguntou-lhes como se chamavam, mas eles responderam que não tinham nome, e depois não se tocou mais no assunto. Intrigado com o caso, padre Agostinho, que frequentava a casa da família, certa vez o abordou:
– Vejo você sempre sozinho; não tem amigos?
– Claro que tenho! respondeu Raymundo.
– Como eles se chamam?
– Não sei!
– Como não sabe? Todos nós sabemos os nomes dos nossos amigos!
– É, mas eu não sei e nem quero saber.
Em 1948, Raymundo passou a morar em Belo Horizonte, na casa de uma tia chamada Lourdes. Logo foi matriculado no coral e no catecismo da igreja de São Francisco, no bairro Padre Eustáquio. Frei Antonelo, um franciscano de dois metros de altura, não gostava da influência “imaginária” de Raymundo junto aos colegas de catecismo. Quando um dia Raymundo lhe contou sobre os três amigos, o frei advertiu a família:
– Acho bom levar esse menino a um psicólogo ou a alguém que o entenda, porque ele não está bem. Ele imagina as coisas e para ele são realidades. Isso não é bom.
Certo dia, passando por um lote vago, Raymundo viu um gato caçar e depois matar um passarinho. Assustado e compungido com a cena, ele começou a chorar, quando então se aproximou uma bela jovem.
– Por que você está chorando?
– Porque o gato matou o passarinho e eu não pude fazer nada!
– Me dê o passarinho, pediu ela.
Raymundo entregou-lhe o passarinho. A jovem então o acolheu entre as mãos, e ele voltou a viver.
– Como você fez isso? -, Raymundo perguntou maravilhado.
– Não fui eu; foi meu filho!
– Não estou vendo o seu filho; ele é médico?
– Não como você imagina.
– Não estou vendo o seu filho!
– Mas o verá um dia. Vai conhecê-lo e gostar dele.
Raymundo ainda encontraria esta bela jovem muitas vezes, normalmente na companhia dos três amigos e de um homem vestido de branco, ferido e com uma “porção de espinhos” na cabeça.
No dia 5 de junho de 1949, véspera de sua primeira comunhão, Raymundo foi sozinho à igreja, que ficava próxima à casa da tia. Diante da porta lateral, encontrou os três amigos.
– Frei Antonelo vai deixar que vocês também comunguem amanhã?
– Não, não está nos planos de frei Antonelo, mas você vai fazer isso agora.
– Como? -, Raymundo perguntou surpreso.
Neste momento a bela jovem apareceu na porta da igreja. Ela tomou Raymundo pela mão, e o conduziu para dentro.
A igreja estava escura. Raymundo sentou-se no banco da frente de um altar lateral. Em seguida apareceu um padre, bem parecido com frei Antonelo, e começou a celebrar a Missa. No momento da comunhão, Raymundo ainda continuava receoso. Nisso a bela jovem lhe disse:
– Não se preocupe; Jesus deseja lhe oferecer o presente de Sua presença nesta hora. Se lhe pedirem explicações, fale a verdade.
Raymundo então comungou, e em seguida foi brincar com os amigos. Pouco depois contou toda a história à tia. A confusão logo se instalou. Raymundo foi arrastado à presença do frei Antonelo, que ficou furioso, acusou-o de mentiroso e quis adiar-lhe a primeira comunhão. Como a tia resistisse ao adiamento, o frei sentenciou como forma de dissuasão:
– Raymundo fará a primeira comunhão somente se for de preto.
Lourdes entendeu a frase literalmente. No dia seguinte, Raymundo era o último na fila da comunhão, e naturalmente o único vestido de preto. Antes de receber a comunhão, o frei tentou dissuadi-lo uma última vez:
A bela jovem, que estava ao lado, sussurrou-lhe ao ouvido:- Raymundo, você insiste na mentira? Vai comungar em pecado?
– Repita para o sacerdote: “Padre, existem coisas entre nós e Deus; deixe que Deus administre as coisas dele. Administre as suas e deixe Deus julgar o que é bom e direito, o que é pecado e o que não é.”
Raymundo repetiu exatamente como ouvira da jovem. E após algum silêncio, o frei se rendeu:
– Me desculpe. Tome a comunhão e peça a Jesus por mim.
Algumas semanas depois, Marino apareceu na casa de Lourdes para levar Raymundo de volta a Ubá. A vida seguia novamente o ritmo lento do campo, até que o padre Agostinho convenceu a família de que Raymundo deveria estudar em um seminário e tornar-se padre.
Marino começou então a viajar com Raymundo para conhecerem os seminários da região. Um dia, passando por Mercês do Pomba, visitaram uma mulher chamada Lola, famosa na cidade por alimentar-se somente de hóstias havia muitos anos. Assim que viu Raymundo, Lola disse:
– Este menino não vai ser padre. (…) Terá desilusões a respeito da fé. Não se preocupem; vai falar muito de Nossa Senhora. (…) Raymundo, seu nome no Céu é Daniel. Você é muito importante para Jesus e Maria. Você tem amigos no Céu e uma centena de inimigos no inferno. (…)
– Dona Lola, eu não me chamo Daniel.
– Seu nome dado por seus pais não importa. Seu nome dado por Deus, este importa.
Marino saiu da casa de Lola convencido de que não teria um padre na família. Em todo caso, padre Agostinho conduziu a situação para que Raymundo ajudasse cada vez mais nas atividades da igreja de Nossa Senhora do Rosário.
Anos depois, em 1955, foi o próprio bispo, Dom Delfim Ribeiro Guedes, que tentou encaminhá-lo pela vida religiosa. Raymundo, que nesta época cursava o ginasial no Colégio Estadual Raul Soares, foi matriculado no seminário do Caraça, que fica a 120 km de Belo Horizonte. No entanto, a experiência durou pouco. Logo no primeiro dia, Raymundo presenciou uma orgia entre os seminaristas, e na mesma semana o pai chegou para buscá-lo.
Em 1960, após atritos com o pai, Raymundo fugiu de Ubá e foi morar na casa de uma prima em Volta Redonda. Três meses depois, mudou-se para o Rio de Janeiro. Passou a trabalhar de ajudante de vendedor e depois de modelo na Mesbla.
Durante a Revolução de 1964, Raymundo retornou a Ubá. O pai estava gravemente doente, com câncer. Raymundo passou a aplicar-lhe as injeções de morfina. Marino faleceu no dia 20 de janeiro de 1965.
Um mês depois, Raymundo se estabeleceu em Belo Horizonte. Nesta época passou por vários empregos: vendedor em loja de sapatos, porteiro de boate, vendedor de livros, garçom, etc. Além disso, fez muitas amizades e mergulhou em uma vida “promíscua”, como o próprio Raymundo confessaria mais tarde. Na família, os dois irmãos passavam por problemas com bebida, e a mãe estava doente e sem amparo. Irene faleceu no dia 4 de março de 1970.
Após algum tempo desempregado, Raymundo conseguiu trabalho na casa de moedas de Heitor Picchionni, onde aprendeu a lidar com moedas, câmbio, bancos e pessoas influentes. Três anos depois, conheceu o banqueiro Gilberto Faria, que o levou para a empresa Minas Máquinas. Em 1973, com a ajuda de Gilberto, Raymundo fundou a própria empresa, a Aduana, no ramo de comércio exterior.
A Aduana obteve êxito, e o dinheiro começou aos poucos a multiplicar-se. A partir daí iniciou-se uma nova fase na vida de Raymundo. Nesta época, ele também viajou à Itália para participar de um curso para restauradores pago pela Fundação Torino. Passou três anos conciliando o curso com a administração da Aduana, e pôde acumular um bom conhecimento sobre arte.
Raymundo conheceu Geny, sua esposa, na porta da igreja de Nossa Senhora de Fátima, por ocasião da Missa de formatura de uma amiga comum. Os dois se casaram no dia 12 de dezembro de 1986. Tiveram dois filhos: Frederico, em 1988, e Myriam, em 1992. Myriam, que nasceu com hidrocefalia, faleceu em maio de 2003.
Em 1991, o bispo de Belo Horizonte celebrou a Missa de Natal na igreja que estava sendo construída no bairro Belvedere. Raymundo, a pedido da comissão organizadora, ajudou na decoração. Ao fim da Missa, Raymundo abordou o bispo e se dispôs a entrar em contato com algumas pessoas na Itália que poderiam ajudar na construção da igreja. Deixou o telefone, e mais tarde agendou-se uma reunião na Cúria Metropolitana.
Alguns dias depois, Raymundo chegou à Cúria pela manhã. Foi recebido por um senhor de meia-idade, que lhe informou que o bispo aguardava na capela. Quando entrou na capela, Raymundo assustou-se com o que viu, como que tomado por um choque: não encontrou o bispo, mas os seus três amigos de infância. Em resumo, as três crianças estavam na capela por um único motivo, por uma só e decisiva resposta:
– Estamos aqui porque seu nome está escrito para anunciar Aquele que a cristandade espera. (…) Antes que comece o segundo mês do ano que se inicia, você entrará em uma fase nova de sua vida, pela qual Deus deseja que atue. Não nos é autorizado dizer até quando durará, mas o Céu deseja que tome as rédeas da nova situação, porque está em suas mãos realizar o desejo e a promessa de Jesus. Você aceita esta tarefa?
Ainda hoje ecoa a resposta de Raymundo:
– Aceito.