Bernadete Soubirous
História das aparições de Nossa Senhora a Bernadete Soubirous em 1858, pela tradução da entrada “Lourdes (França, Altos-Pirineus, diocese de Tarbes e Lourdes)”, contida no “Dicionário de ‘Aparições’ da Virgem Maria”, de autoria de René Laurentin e Patrick Sbalchiero.
I- As três primeiras aparições
II- A quinzena das aparições
III- As três últimas aparições
IV- A epidemia de visionários
V- Última aparição
VI- Reconhecimento da autenticidade
VII- O testemunho de Bernadete
VIII- A vocação de Bernadete
IX- Vida religiosa em Nevers
X- A peregrinação de Lourdes
Bernadete nasceu em Lourdes no dia 7 de janeiro de 1844, no Moinho de Boly. A família a recebeu com carinho e alegria, mas sua primeira infância foi perturbada por um acidente com sua mãe, que se queimou gravemente com uma tocha. Impossibilitada de amamentar Bernadete, sua mãe a enviou a Bartrès, aos cuidados de uma ama de leite. Em 1854, seu pai, moleiro capaz mas demasiado generoso, estava na rua, e a família conseguiu para residência apenas o “calabouço”, antiga prisão desativada por insalubridade. Um primo o alugou com bastante má vontade e desconfiança.
Durante a penúria (cúmulo do trágico), seu pai, Francisco Soubirous, foi acusado de roubar farinha por este único motivo, inscrito nos autos do processo: “Seu estado de miséria me faz pensar que ele é culpado deste roubo.” Após oito dias de prisão, o caso foi encerrado como improcedente.
I- As três primeiras aparições
No dia 11 de fevereiro de 1858, quinta-feira, Francisco Soubirous, reduzido havia alguns anos à condição de diarista, vendendo sua mão-de-obra por 1,50 franco ao dia, repousava sobre a cama. Ele pretendia guardar suas forças subalimentadas para qualquer serviço eventual. Bernadete, sua irmã Maria, apelidada de Toinette, e Joana Abadie, uma amiga, saíram pela manhã para apanhar lenha e ossos, que elas depois venderiam à trapeira Letsina por algumas moedas, com o fim de comprar um pedaço de pão. Seus passos as conduziram até a gruta de Massabielle, entre o rio Gave e o canal do moinho, que se cruzam justamente diante da gruta. Havia lenha do outro lado. Joana e Toinette atravessaram o canal pela parte rasa; o moinho que ficava na direção da nascente estava parado. Bernadete não ousou segui-las por causa de sua asma. Ela ficou sobre a ilha, diante da gruta, a uma dúzia de metros. Enquanto se descalçava para seguir as amigas, escutou por duas vezes um barulho, “como uma rajada de vento”. Ela se exprimiu com as mesmas palavras que evocam a “rajada de vento” do Pentecostes em At 2,1-2. Bernadete ficou aturdida, porque não havia vento. Ela então se virou para certificar-se: “As árvores não se moviam. Eu continuava a me descalçar e escutei o mesmo barulho. Ergui a cabeça olhando para a gruta. O nicho do rochedo, situado a mais ou menos três metros de altura, estava invadido por uma luz, e dentro da luz, vi Aquilo”, ela disse com prudência. Bernadete viu na verdade uma silhueta feminina: sua presença penetrante era inexprimível. Ela viria a descrevê-la assim: “Uma dama vestida de branco; ela tinha um manto branco, um véu branco, um cinto azul e uma rosa amarela sobre cada pé. Esfreguei os meus olhos; pensei que estava enganada. Depois coloquei a mão no bolso e peguei o meu terço” (manuscrito de 28 de maio de 1861, completado pelo de 22 de agosto de 1864).
Bernadete compreendeu intuitivamente o que se passava, mas no primeiro momento não conseguiu levar a mão à fronte para fazer o sinal da cruz. Em seguida o conseguiu, depois que a própria Virgem fez o sinal da cruz no nicho do rochedo. A primeira aparição era orante e silenciosa.
As meninas decidiram não tocar no assunto. De volta a casa, porém, Toinette não resistiu e violou o pacto. Ela tossiu repetidamente até que sua mãe a questionasse, e então revelou o que Bernadete havia visto. O resultado foi uma surra de vara e a proibição de voltar à gruta.
No domingo, 14 de fevereiro, as meninas desejavam ardentemente retornar à gruta. Conseguiram a muito custo a autorização, com a promessa de voltar para a oração das vésperas. Bernadete entrou novamente em êxtase, mas suas companheiras chamaram o moleiro Nícolas, que a carregou com dificuldade (em êxtase) até seu moinho, onde o êxtase terminou.
Na quinta-feira, 18 de fevereiro, Madame Milhet, empregadora ocasional de Luísa Soubirous, quis acompanhar Bernadete à gruta. Depois de muita insistência, sua mãe consentiu. Neste dia, Bernadete escutou as primeiras palavras da aparição. Madame Milhet havia levado um estojo. Bernadete deveria pedir que a aparição escrevesse seu nome: ela estendeu a pena e o papel, mas recebeu somente esta resposta em língua occitana, no dialeto de Lourdes: “Isto não é necessário”.
Em seguida, a aparição lhe fez este convite cortês: “Você me faria a gentileza de vir aqui durante quinze dias?”
A Virgem foi tão respeitosa com esta pobrezinha que ninguém se julgaria capaz de dizer o nome da visitante.
Uma terceira frase profetizou o destino de Bernadete: “Não lhe prometo a felicidade neste mundo, mas no outro.” A primeira parte se confirmou, como Bernadete constataria mais tarde.
Uma outra fala (alegada) teria fundado a peregrinação: “Desejo ver as pessoas neste lugar”, mas esta fala não é autêntica, pois não passa da disposição do estudo de . Estrade, que antecipa o pedido do dia 2 de março: “Que se venha aqui em procissão”.
II- A quinzena das aparições
Desde então a vida de Bernadete tornou-se um inferno. Todo o mundo: o marechal, o comissário de polícia (21 de fevereiro) e a família de Bernadete por ele constrangida, o juiz Ribes (28 de fevereiro) e o procurador imperial Dutour (21 de fevereiro) a interrogaram longamente, a intimidaram, a ameaçaram e lhe armaram armadilhas.
Na segunda-feira, 22 de fevereiro, os pais de Bernadete a proibiram de retornar à gruta. No entanto, uma força irresistível a atraiu. Desta vez, porém, ela não viu nada, como se a própria Virgem respeitasse as exigências das autoridades. Bernadete ignorava a identidade daquela jovem luminosa. Costumava designá-la simplesmente pelo demonstrativo Aquilo.
Nossa Senhora lhe apareceu todos os dias, de quinta-feira, 18 de fevereiro, a quinta-feira, 4 de março, “salvo na segunda-feira, 22, e na sexta-feira, 26 de fevereiro”. Bernadete sustentará essas datas, contra a convicção do Pe Cros, até a sua morte, e com razão, pois Cros e Trochu (nota: trata-se de dois padres que estudaram as aparições à época) criaram artificialmente a aparição do dia 26 de fevereiro.
No dia 25 de fevereiro (dia central da quinzena e a terceira quinta-feira das aparições), no momento em que o entusiasmo aumentava rapidamente entre a multidão crescente (350 pessoas, contra 250 na véspera e 150 na antevéspera), o comportamento de Bernadete se transformou de maneira desconcertante: ela percorreu de joelhos o caminho inclinado até o fundo da gruta, beijando a terra. Depois cavou com as mãos a lama vermelha e úmida (reveladora do jazigo da fonte). Bernadete levantou-se coberta por essa água suja, que ela bebera com uma visível repugnância. Isso causou constrangimento entre os seus defensores mais fervorosos. Uma nova fase se iniciou, cujas mensagens haviam começado na véspera: “Penitência! Penitência! Penitência!…”
“Reze a Deus pelos pecadores.”
“Beije a terra em penitência, pela conversão dos pecadores.”
A mensagem que precede, acompanha e ultrapassa a descoberta da fonte retoma e repete a pregação inaugural de João Batista: o batismo de penitência no início do Evangelho, como observei no livro Sentido de Lourdes (Sens de Lourdes) (1954). Pio XII também abordou essa aproximação evangélica na sua encíclica, escrita por ocasião do centenário das aparições.
O dia seguinte, 26 de fevereiro, foi o segundo em que não houve aparição. Nos dias seguintes, os gestos repetidos de penitência foram mais bem recebidos, porque nesse intervalo os mais fervorosos haviam descoberto a fonte, que foi o ponto de partida para as curas de Lourdes.
O fim da quinzena foi marcado pela visita de Bernadete ao cura Peyramale; ela lhe levava corajosamente esta mensagem: “Diga aos padres que construam uma capela e que façam uma procissão.”
Bernadete foi recebida por uma das mais célebres e fulminantes cóleras do cura, homem generoso com todos, mas de sangue quente. Ele estava secretamente dividido: atraído pelas aparições, cujos frutos se viam no confessionário pelo afluxo de conversões, e ao mesmo tempo inquieto, porque a imprensa e a burguesia ironizavam essa maluquice popular em torno de uma “alucinada”, ele se via obrigado a defender a reserva de sua função e a honra da Igreja. Esse foi o motivo da cólera que jorrou de sua silhueta vigorosa, e ele de fato tinha imponência e autoridade. Bernadete teve tanto medo que não pôde terminar sua “comissão”. Mal havia pronunciado a palavra “procissão”, a avalanche se desencadeou. Ela teve que partir sem abrir a boca novamente. No mesmo dia, porém, Bernadete voltou à gruta, malgrado o recusa de duas tias que a tinham acompanhado, tremendo “como duas varas verdes”.
A quinzena se encerrou no dia 4 de março, quarta quinta-feira das aparições. Neste último dia, todos esperavam um grande milagre ou uma revelação maior; pelo menos o nome d’Aquilo, que todos adivinhavam ser a Virgem Maria. A Administração, informada até em Paris, mobilizou um importante serviço de ordem com a participação do exército: pessoas se espremiam dos dois lados do Gave, pois não havia espaço para mais que 200 a 300 pessoas na gruta.
Neste “grande dia”, não houve nem milagre, nem revelação. A aparição novamente não disse seu nome. Bernadete não sabia sequer se voltaria à gruta.
III- As três últimas aparições
Bernadete foi atraída à gruta, sem prévio aviso, no dia 25 de março, quinta quinta-feira das aparições, dia da Anunciação. Ela tinha o mesmo desejo: saber o nome d’Aquilo, exigido pelo cura: “Caso ela diga seu nome, nós construiremos a capela, e não será pequena, mas muito grande”. Bernadete fez a pergunta com uma fórmula cerimoniosa longamente preparada: “Senhorita, queira ter a bondade de me dizer o seu nome, por favor?”
A aparição sorriu, mas não respondeu. Bernadete tentou outra vez. Na terceira, obteve a resposta:
“Que soy era Immaculada Councepciou”: “Eu sou a Imaculada Conceição”.
A Virgem lhe falou em occitano, e mais precisamente no dialeto de Lourdes. Bernadete não entendeu nada; repetiu maquinalmente o nome mágico enquanto corria para o presbitério. Em seguida, Bernadete repetiu a fala quase sem fôlego, diante da silhueta alta do abade Peyramale, que explodiu: “Menina orgulhosa, então você é a Imaculada Conceição?!”
Bernadete explicou: “A senhora disse…”
Tratava-se de um homem de autoridade, embora generoso, e de uma bondade inesgotável para com os pobres. Esse problema o colocou à prova. Ele estava perturbado, pois a Imaculada Conceição de Maria havia sido definida pela Papa Pio IX, quatro anos antes (8 de dezembro de 1854), e Bernadete não sabia nada sobre o assunto. Mas a frase não se sustentava, e sua teologia protestou; a Virgem fora concebida sem pecado, mas ela não era a Imaculada Conceição. Esta figura de linguagem superlativa, que expressa o concreto pelo abstrato, lhe escapava. Ele então se esquivou, pois sentiu que os soluços lhe subiam pela garganta: “Volte para casa, nós nos veremos outro dia!”
Peyramale ficaria vários dias dividido entre sua convicção emocionada e sua razão teológica, que expôs em pormenores ao bispo.
Bernadete retornou à gruta no dia 7 de abril, quarta-feira da Páscoa.
IV- A epidemia de visionários (11 de abril – início de julho de 1858)
A oração era fervorosa na gruta, mas exaltada em um grupo de Filhos de Maria. Eles descobriram, na abóbada da gruta (a 4 metros de altura), uma cavidade. Depois pegaram uma escada emprestada na fazenda dos Espeluges, colocaram-na dentro da gruta, se introduziram rastejando na passagem rochosa e, a uma dezena de metros, se depararam com uma estalactite branca. No auge da emoção, eles acreditaram ter visto a Virgem.
Foi o começo de uma epidemia de visionários, que se estenderia às vilas vizinhas: Ségus, Ossen… uns cinquenta estudantes cujo repertório descrevi no livro Lourdes, documentos autênticos (Lourdes, documents authentiques). Neste tempo, as autoridades públicas ficaram cada vez mais motivadas a conter essas multidões incansáveis, e a Igreja a guardar-se na prudência e no silêncio. A gruta foi oficialmente interditada, cercada com barricadas e policiada do dia 15 de junho ao dia 5 de outubro.
Os fingimentos dos videntes ficaram cada vez mais ridículos, embora não fossem diabólicos, nem contivessem blasfêmia ou heresia. No dia 8 de julho, o abade Peyramale interveio com vigor. No dia 12 de julho, Dom Laurence, bispo de Tarbes, determinou por escrito que o cura de Ségus tratasse os jovens visionários como doentes, e nisso a epidemia cessou imediatamente.
V- Última aparição
No dia 16 de julho, Bernadete foi atraída uma última vez, no momento em que a Administração cercava a gruta com barricadas. No intuito de obedecer, ela ficou sobre a outra margem do Gave, à distância, e foi de lá mesmo que viu a “Imaculada” pela última vez em sua vida: “Eu não via nem as barricadas, nem o Gave; parecia que eu estava na gruta, como nas outras vezes. Eu via somente a Santa Virgem.”
VI- Reconhecimento da autenticidade
No dia 28 de julho, o bispo publicou uma ordenação instituindo uma comissão de pesquisa sobre as aparições. O abade Peyramale fazia parte dela. A comissão começou a reunir-se no mês de agosto, em Lourdes. A pesquisa abordou as curas e os pareceres; ela foi notavelmente preparada pelo cônego Baradère e confiada ao professor agregado Vergés, que recolheu sete curas notáveis e passíveis de prova no estado da ciência da época.
No dia 7 de dezembro de 1860, o bispo interrogou Bernadete diante da comissão. Ele ficou profundamente impressionado: “Você viu aquela menina?”
No dia 18 de janeiro de 1862, treze meses mais tarde, ele publicou sua pastoral, concluindo: “A Imaculada Mãe de Deus realmente apareceu a Bernadete.”
O bispo exprimiu sua firme convicção, sem obrigar o magistério da Igreja.
VII- O testemunho de Bernadete
A vida de Bernadete tornou-se bastante difícil. Os visitantes, fervorosos ou opositores, a assediavam; eles perturbavam a vida e o trabalho de sua família, sobretudo quando Bernadete recusava radicalmente, energicamente, todos os presentes e ainda mais agressivamente todo dinheiro que lhe ofereciam. Quando um visitante, comovido pela pobreza da família e também pela sua recusa, deixou cair discretamente uma moeda no bolso de Bernadete, ela o percebeu e jogou a moeda fora dizendo: “Isso me queima.”
Bernadete não sabia que falava como o apóstolo são Tiago em sua epístola (Tg 5,4). Os testemunhos cotidianos foram raramente anotados. Eles foram integralmente publicados em Lourdes, documentos autênticos (Lourdes, documents authentiques), e o essencial se encontra na obra Bernadete vos fala (Bernadette vos parle).
No dia 15 de junho de 1860, no intuito de colocar ordem na situação, as irmãs de Nevers receberam Bernadete como interna. Mas elas se dedicavam constantemente a humilhá-la, com o fim de evitar qualquer orgulho ou desvio. As respostas de Bernadete eram constantemente admiráveis. Fazem pensar em Joana D’Arc e na palavra do Evangelho (Mt 10,20): “O Espírito de vosso Pai falará em vós.”
VIII- A vocação de Bernadete
Para onde iria Bernadete? Ela não sabia. Bernadete vislumbrava a vida religiosa, sobretudo contemplativa, como um dia confiou à prima Joana Védère; no entanto, sem dinheiro, e portanto sem dote, ela não via a possibilidade de realizar sua vocação, permanecendo reticente quanto às propostas que lhe fizeram algumas ordens religiosas, preocupadas com o próprio provimento.
No dia 25 de setembro de 1863, Dom Forcade, bispo de Nevers (onde está estabelecida a Casa-Mãe das Irmãs de Caridade e a Instrução cristã, que ministraram as primeiras aulas a Bernadete), assegurou que Bernadete seria bem acolhida pelas irmãs. Ela então se despediu da gruta no dia 4 de julho de 1866, e deixou definitivamente Lourdes por Bordeaux e Périgueux: a única viagem de sua vida.
IX- Vida religiosa em Nevers
X- A peregrinação de Lourdes
Lourdes tornou-se uma instituição permanente e profunda que se adaptou ao longo do tempo, malgrado as divisões e os ataques em regra (de Zola em 1892, ao doutor Valot de 1956 a 1958), aos quais a obra histórica do centenário pôs fim. O próprio doutor Valot renunciou abertamente à última obra que havia anunciado para o centenário.
Lourdes foi uma fonte viva e criativa para a Igreja. Um abrigo na desordem pós-conciliar da Igreja da França.
As peregrinações de doentes continuam uma força mobilizadora até os dias de hoje. Lourdes inventou a “viagem” dos doentes, aqui compreendidos os doentes em estado grave, e até pessoas com deficiência respiratória, doentes de pólio, cegos, deficientes mentais, para os quais foram desenvolvidos prodígios técnicos. No começo, os doentes causaram medo nos comerciantes. Estes, de início, fecharam as portas por prudência. Também fizeram seguro para todos os riscos, mas não houve nada que reembolsar.
Os doentes de Lourdes viajam e são tratados em hospitais cada vez mais modernos, por funcionários na sua quase totalidade benévolos: médicos, maqueiros e enfermeiras, que chegam até a pagar-lhes a viagem. A fé e a compaixão mobilizam pessoas de todas as idades: são idosos e jovens que afluem a Lourdes todos os anos.
No fim do concílio, anunciaram que o lugar da aparição iria decair, mas foi o contrário que aconteceu. Desde então, as estatísticas de frequência dos peregrinos subiram de um pouco mais de um milhão a seis milhões. Em todo caso, é preciso distinguir entre os visitantes os peregrinos motivados, organizados, dos simples turistas.
As curas de Lourdes constituíram antes de tudo um fenômeno popular. Elas foram progressivamente recebidas pela comunidade científica, após a pesquisa (1859-1860), graças aos pareceres ocasionais de alguns médicos. Foi Pio X que reorganizou os pareceres de Lourdes por ocasião do cinquentenário de 1908, para fazer oposição aos racionalistas, que na época negavam a possibilidade do milagre, em nome do determinismo. As normas para os pareceres tornaram-se terrivelmente exigentes, a ponto de excluir as curas funcionais (cego que vê sem que o olho esteja organicamente curado). Os departamentos médicos e os comitês científicos, nacionais e internacionais, reconheciam apenas as curas orgânicas, completas e duráveis.
Apoiados no determinismo, alguns médicos dos comitês científicos fundados por Dom Théas davam uma resposta imperturbavelmente negativa à pergunta: “A cura é inexplicável?” Pois a ciência nunca recua diante do inexplicável; sua regra é a de buscar a explicação sem jamais renunciar.
As regras, porém, se flexibilizaram no momento em que o próprio determinismo foi colocado em questão pela relatividade generalizada, que se tornou de fato uma nova dimensão da ciência. Compreende-se melhor a articulação entre a medicina que reconhece estritamente o aspecto orgânico – doença, cura, singularidade fora das normas – e a função da Igreja que declara o milagre, conforme o contexto espiritual: ela não impõe seu entendimento, mas propõe seu diagnóstico à adesão dos fiéis, pois a certeza da Igreja sobre a Revelação confiada por Cristo não se estende aos acontecimentos privados: a autenticidade dos milagres, das aparições e das canonizações.
Bernadete recebeu uma mensagem em doze falas, do dia 18 de fevereiro ao dia 25 de março. A isso se acrescem três segredos: ela guardou rigorosamente os segredos que havia recebido para sua conduta pessoal.
Por fim, resumo a mensagem de Lourdes em quatro palavras: pobreza, oração, penitência e origem imaculada de Maria:
1) Pobreza: à época do “enriqueça-se!”, a Virgem escolheu a família mais pobre da vila, aquela cujo pai os guardas haviam encarcerado por desconfiança de sua miséria durante a fome. Bernadete viveu a pobreza e a recusa de toda doação com um heroísmo constante e radical. Lourdes continua um lugar de compaixão e de acolhimento para os doentes e excluídos. São acolhidos até mesmo os doentes mentais e os doentes teoricamente intransportáveis, sujeitos por exemplo à diálise ou ao uso de pulmões de aço.
2) Oração: Lourdes é uma capital da oração.
3) Penitência: a mensagem das aparições de 24 a 28 de fevereiro conduz às preliminares do Evangelho.
4) Origem imaculada de Maria: enfim, a Virgem, Mãe de Cristo e dos cristãos, foi preservada de todo pecado por graça única, para tornar-se com o emprego heroico e irreversível de sua liberdade a Mãe do Filho de Deus transcendente. Ela é o protótipo e o início mesmo da Igreja, Corpo místico de Cristo, cujo corpo humano Ela formou, da gestação à educação, depois à separação da vida pública e até à Cruz, caminho que se impôs como um desmentido apenas aparente das promessas da Anunciação.
Assim se define Lourdes, tal como foi reconhecida pela Igreja.