A Ordem de Malta e a perseguição ao cardeal Burke

Disponibilizamos abaixo uma coletânea de notícias que contam a história da interferência ilegítima do Vaticano na Ordem de Malta. Como pano de fundo, há ainda a perseguição ao Cardeal Raymond Burke, uma das principais vozes que vêm se erguendo na Igreja contra a postura reformista do Papa Francisco. O Cardeal Burke foi também um dos purpurados que assinaram os Dubia, pedindo esclarecimentos ao Papa sobre passagens da exortação apostólica Amoris Laetitia que podem representar uma ruptura com o Magistério da Igreja.

 

I. 17/09/2014 Exílio em Malta para o Cardeal Burke

II. 24/12/2016 O Papa e Malta: uma comissão inválida

III. 11/01/2017 Quem quer destruir a Ordem de Malta?

IV. 24/01/2017 Grão-mestre da Ordem de Malta renuncia a pedido de Francisco

V. 26/01/2017 O Papa “comissaria” a Ordem de Malta. Agora se espera a punição para o Cardeal Burke

VI. 26/01/2017 Edward Pentin: Papa Francisco convocou reservadamente para audiência o Grão-Mestre da Ordem de Malta e pediu que escrevesse sua renúncia na hora. E que declarasse ter sido influenciado por Burke

VII. 30/01/2017 O Papa e a Ordem de Malta: uma vitória de Pirro?

 

I. 17/09/2014 Exílio em Malta para o Cardeal Burke

De impecável prefeito do Tribunal Supremo da Assinatura Apostólica, está a ponto de ser degradado ao rol puramente honorífico de “patrono” de uma ordem de cavalaria. Por vontade do Papa Francisco. 

 

Por Sandro Magister | Tradução: Fratres in  – Cidade do Vaticano, 17 de setembro de 2014 – A “revolução” do Papa Francisco no governo eclesiástico não perdem seu impulso propulsor. E assim, como ocorrem em toda revolução se preze, continua rolando cabeças de eclesiásticos considerados merecedores dessa metafórica guilhotina.

Cardeal BurkeEm seus primeiros meses como bispo de Roma, o Papa Bergolgio agiu rapidamente para transferir a cargos de menor importância três destacadas personalidades da cúria: o Cardeal Mauro Piacenza, o Arcebispo Guido Pozzo e o bispo Giuseppe Sciacca, considerados por sua sensibilidade teológica e litúrgica entre os mais “ratzingerianos” da cúria romana.

Também parece definida a sorte do arcebispo espanhol Celso Morga Iruzubieta, membro do Opus Dei e secretário da Congregação para o Clero, destinado a deixar Roma para uma diocese ibérica que não é de primeiro nível.

Mas, agora, estaria por acontecer uma decapitação ainda mais notável.

A próxima vítima seria, de fato, o purpurado norte-americano Raymond Leo Burke, que, de prefeito do Tribunal Supremo da Assinatura Apostólica, não seria promovido — como fantasiaram alguns no mundo da web — à difícil, porém prestigiosa sede de Chicago, mas que seria degradado ao pomposo — mas eclesiasticamente modestíssimo — título de “cardeal patrono” da Soberana Ordem Militar de Malta, substituindo o atual titular Paolo Sardi, que há pouco completou 80 anos de idade.

A confirmar-se, o exílio de Burke seria ainda mais drástico que aquele imposto ao cardeal Piacenza, que foi transferido da importante Congregação para o Clero à marginal Penitenciária Apostólica, embora, de todo modo, tenha permanecido na chefia de um dicastério curial.

Com a mudança à vista, Burke seria retirado totalmente da cúria e colocado em um cargo puramente honorífico e sem nenhuma incidência no governo da Igreja universal — um movimento que não parece ter precedentes.

Com efeito, no passado, o título de “cardinalis patronus” dos Cavaleiros de Malta, em vigor desde 1961, assim como o anterior de Grão-prior de Roma, foi designado sempre a cardeais de primeiro ou primeiríssimo plano com um cargo adicional em relação ao principal.

Assim sucedeu com os cardeais Mariano Rampolla del Tindaro (nomeado grão-prior em 1896, mas permanecendo como Secretário de Estado), Gaetano Bisleti (então prefeito da Congregação para a Educação Católica), Gennaro Granito Pignatelli (cardeal decano e bispo de Albano), Nicola Canali (governador da cidade do Vaticano), Paolo Giobbe (que conduzia a Dataria Apostólica), Paul-Pierre Philippe (também prefeito da Congregação para as Igrejas Orientais até completar os 75 anos de idade), Sebastiano Baggio (removido da Congregação para os Bispos, mas mantido como governador da Cidade do Vaticano e camerlengo), Pio Laghi (até os 77 anos também prefeito da Congregação para a Educação Católica).

Dois casos distintos foram os do cardeal Giacomo Violardo, que, dois meses depois de ter recebido a púrpura ao término de um longo serviço na cúria, aos 71 anos de idade, substituiu como patrono a Giobbe, de 89 anos, e do demissionário Sardi, nomeado aos 75 anos pró-patrono em 2009 e feito cardeal em 2010, após ter sido durante muitos anos o responsável pelo departamento de redação dos documentos pontíficios.

Ademais, a aposentadoria de Sardi não seria uma ação obrigada, dado que para os cargos extra-curiais não vale o limite de 80 anos de idade. De fato, com exceção de Paolo Giobbe, todos os cardeais patronos citados acima passaram a melhor vida “durante munere”.

Burke tem 66 anos, isto é, está na plena idade. Ordenado sacerdote por Paulo VI em 1975, trabalhou na Assinatura Apostólica como simples sacerdote sob João Paulo II, que, em 1993, o fez bispo de sua diocese natal de La Crosse, em Wisconsin. Também o Papa Karol Woytyla o promoveu em 2003 a arcebispo da prestigiosa sede, outrora cardinalícia, de Saint Loius, em Missouri. Bento XVI o chamou a Roma em 2008 e o fez cardeal em 2010.

Personalidade muito piedosa, reconhece-se nele a rara virtude de não ter jamais negociado para obter promoções ou favores eclesiásticos.

No campo litúrgico e teológico está muito próximo da sensibilidade de Joseph Ratzinger. Celebrou muitas vezes segundo o rito antigo, revestido também com a “capa magna”, como por outra parte continuam fazendo o Cardeal George Pell e Antonio Cañizares Llovera, sem que por isso tenham sido castigados pelo Papa Francisco.

Grande especialista em Direito Canônico, por isso mesmo nomeado para a Assinatura Apostólica, não teme ir às consequências mais incômodas, como quando, em sintonia com os artigos do Código — precisamente o 915 — sustentou a impossibilidade de administrar a comunhão a políticos que pertinaz e publicamente reivindicam o direito ao aborto, razão pela qual ganhou a recriminação dos colegas bispos dos Estados Unidos estimados pelo Papa Francisco: Sean Patrick, de Boston, e Donald Wuerl, de Washington.

Livre em seus juízos, foi um dos poucos que fez observações críticas sobre a “Evangelii Gaudium”, assinalando, em sua opinião, seu valor programático mas não magisterial. E em vista do próximo sínodo dos bispos reiteradamente tomou posição contra a tese do cardeal Walter Kasper — notoriamente agraciado pelo Papa Francisco — favorável à comunhão aos divorciados que voltaram a se casar.

O dicastério presidido por Burke, eminentemente técnico, aceitou recentemente um recurso das Irmãs Franciscanas da Imaculada contra uma medida tomada contra elas pela Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica. Uma valente manobra na contra-mão feita por Burke, que se insere no seio da ação punitiva empreendida pela Congregação vaticana contra uma das realidades mais emblemáticas do tradicionalismo católico, ação que o Papa Francisco avalizou aprovando em forma específica a decisão da Congregação de impedir aos frades da Imaculada a celebração da Missa segundo o rito “tridentino”. Efetivamente, somente com este tipo de aprovação pontifícia um decreto da cúria pode contradizer uma lei vigente, neste caso em particular, o motu proprio “Summorum Pontificum” de Bento XVI.

É difícil individualizar entre esses precedentes quais podem ter definido a sorte do Cardeal Burke.

Mas é fácil prever que esta degradação definitiva provocará tanto uma tumultuosa reação no mundo tradicionalista, onde Burke é considerado um herói, como uma onda de júbilo no mundo oposto, onde, pelo contrário, é considerado um espantalho.

Sobre esta segunda corrente, pode-se recordar que o comentarista católico “liberal” Michael Sean Winters, no “National Catholic Reporter” de 26 de novembro de 2013, havia pedido a cabeça do Cardeal Burke, enquanto membro da Congregação para os Bispos, pela nefasta influência, a seu ver, que ele exercia sobre as nomeações episcopais nos Estados Unidos.

Com efeito, em 16 de dezembro, o Papa Francisco humilhou Burke eliminando-o como membro da Congregação, entre hosanas do catolicismo “liberal” não só norte-americano.

Certamente, o Papa não o fez para obedecer aos desejos do “National Catholic Reporter”.

Mas, agora, parece justamente estar a ponto de dar início à segunda e mais grave degradação de uma das personalidades mais exemplares que conhece a cúria vaticana.

Fonte:

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II. 24/12/2016 O Papa e Malta: uma comissão inválida

Por Roberto de Mattei,“Il Tempo”, Roma, 24-12-2016 | Tradução: Hélio Dias Viana – : O Papa dotou a Ordem de Malta de um comissário? A estratégia do comissariado agrada sem dúvida o Papa Francisco, que já tomou essa medida draconiana contra duas instituições religiosas considera  das por ele como demasiadamente “tradicionais”: os Franciscanos da Imaculada e os religiosos do Verbo Encarnado.

O Papa e MaltaE não parece ser por acaso que o anúncio de uma comissão para “recolher provas susceptíveis de informar plena e rapidamente a Santa Sé sobre o litígio que envolveu recentemente o Grande Chanceler [da Ordem de Malta], Sr. Albrecht Freiherr von Boeselager” tenha sido feito pela Sala de Imprensa do Vaticano em 22 de dezembro, no mesmo momento em que o Papa Bergoglio transformava os cumprimentos tradicionais de Natal à Cúria em uma dura repreensão contra aqueles que resistem ao seu projeto de mudança radical da Igreja, com referência implícita ao Cardeal Raymond Leo Burke, Patrono da referida Ordem.

Mas, neste caso, o instrumento legal do comissariado pura e simplesmente não é possível. Como explica o Pe. Fabrizio Turriziani Colonna em um documentado estudo dedicado à soberania e independência da Soberana Ordem Militar de Malta (Libreria Editrice Vaticana 2006), tanto a Ordem de Malta quanto a Santa Sé são sujeitos de direito internacional e, portanto, colocam-se uma em relação à outra em uma posição de independência recíproca.

A Ordem de Malta tem de fato uma personalidade jurídica dupla que a subordina à Santa Sé nas matérias próprias ao Direito Canônico, mas que no plano do direito internacional lhe assegura independência daquela. O fato de a Soberana Ordem Militar de Malta manter relações diplomáticas com 94 Estados e um embaixador junto à Santa Sé confirma que nesse âmbito suas relações são em pé de igualdade. A Soberana Ordem Militar de Malta é, em uma palavra, um Estado soberano, embora sem território, zeloso de sua autonomia e de suas prerrogativas.

Em nove séculos de história, os Cavaleiros de Malta cobriram-se de glória derramando seu sangue pela Igreja, mas não faltaram os conflitos com a Santa Sé. O último, narrado por Roger Peyrefitte (Chevaliers de Malte, Flammarion, Paris 1957), foi após a Segunda Guerra Mundial, quando a Ordem conseguiu frustrar a tentativa de fusão compulsória com os Cavaleiros do Santo Sepulcro.

A queda de braço terminou em 1953, com o acórdão de um Tribunal cardinalício que reconhecia a soberania da Ordem de Malta, reiterando, porém, sua dependência da Santa Sé no tocante à vida religiosa dos cavaleiros. A Ordem de Malta aceitou a decisão, com certas condições: 1) o reconhecimento dos direitos inerentes à sua condição de sujeito de direito internacional; 2) a limitação da dependência religiosa da Ordem somente aos cavaleiros professos e capelães; 3) a exclusão de qualquer sujeição à Secretaria de Estado do Vaticano.

A competência da Santa Sé não diz respeito, portanto, ao governo interno e internacional da Ordem, mas limita-se ao âmbito estritamente religioso. Nesse sentido, poder-se-ia compreender que caso o Papa constatasse algum desvio de ordem doutrinária ou moral entre os cavaleiros, decidisse tomar medidas para corrigir a situação. Mas por acaso foi isso que aconteceu?

Tendo vindo à luz que durante o período em que Boeselager foi o Grande Hospitalário da Ordem ele abusou de seu poder promovendo a distribuição de dezenas de milhares de preservativos, contraceptivos e até mesmo abortivos (como está devidamente documentado nos relatórios sobre o programa das Nações Unidas contra o HIV/SIDA na Birmânia), o Grão-Mestre Matthew Festing interveio para pôr fim ao escândalo. Pediu então a Boeselager que demitisse, apelando, em última instância, para o voto de obediência feito a ele, Festing. O Grão-Chanceler Boeselager, prevalecendo-se de sua forte amizade com o Secretário de Estado, cardeal Pietro Parolin, e da recente nomeação de seu irmão Georg para o Conselho do IOR (o assim chamado “Banco do Vaticano”), rejeitou com arrogância o pedido, reivindicando seu comportamento de católico “liberal”.

A criação pela Secretaria de Estado de uma comissão de inquérito de cinco membros, todos mais ou menos ligados a Boeselager, constitui um caso grave de ingerência no governo da Ordem. A Santa Sé deveria limitar-se a zelar pela vida religiosa através do Cardeal patrono Raymond Burke, nomeado pelo próprio Papa Francisco.

O Papa tem todo o direito de informar-se sobre os assuntos internos da Ordem, mas não é curial que o faça através de uma comissão que passa por cima do representante papal, a menos que queira incluir este último no alvo da acusação. Um cardeal só pode ser julgado por seus pares, e não por burocratas do Vaticano.

É também inadequado confiar a uma comissão vaticana o julgamento de assuntos relativos não à vida religiosa, mas ao governo da Ordem, colocando neste caso sob acusação o próprio Grão-Mestre, que fez bem em rejeitar o operar inválido da comissão.

Infelizmente, não é apenas o procedimento legal que é espúrio, mas, sobretudo, o julgamento do mérito pelas autoridades vaticanas, a cujos olhos os que desafiam o Magistério da Igreja, promovem a contracepção e o aborto, e violam seus votos, merecem hoje ser reabilitados, enquanto os que defendem o ensinamento da Igreja e a integridade moral das instituições a que pertencem são, pelo contrário, acusados de “resistência malévola” ao Santo Padre e terminam no banco dos réus.

Devemos esperar uma reação à altura da parte dos cavaleiros. O que está em jogo não é apenas a soberania da Ordem de Malta, mas também sua tradição ininterrupta de defesa da fé e da moral católica.

Fonte:

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III. 11/01/2017           Quem quer destruir a Ordem de Malta?

Por Roberto de Mattei, Corrispondenza Romana, 11-01-2017 | Tradução: Hélio Dias Viana – “Muito antes que as Nações tivessem chegado a estabelecer uma lei internacional; muito antes que tivessem podido forjar o sonho – ainda não realizado – de uma força armada comum para proteção da sã liberdade humana, da independência dos povos e de uma pacífica equidade nas suas relações mútuas, a Ordem de São João já havia reunido em uma irmandade religiosa e sob a disciplina militar, homens de oito ‘línguas’ diferentes, votados à defesa dos valores espirituais, que constituem o apanágio comum da Cristandade:  a fé, a justiça, a ordem social e a paz.”

Ordem de MaltaEssas palavras, dirigidas em 8 de janeiro de 1940 pelo Papa Pio XII aos Cavaleiros da Soberana Ordem Militar de São João de Jerusalém, dita de Rodes e depois de Malta, resumem as características da mais antiga das Ordens de Cavalaria, o único Estado soberano cuja bandeira ondulou no campo das Cruzadas. Uma ordem cujo carisma tem sido sempre o da “Tuitio fidei et Obsequium pauperum” [Defesa da fé e serviço dos pobres]. É imaginável que um Papa queira destruir essa instituição, glória da Cristandade? Infelizmente, é precisamente esta a impressão que se tem  dos últimos acontecimentos relativos à Ordem de Malta.

Correspondência Romana ofereceu uma primeira reconstrução dos fatos em 24 de dezembro de 2016. Edward Pentin aprofundou e enriqueceu o cenário com novos detalhes no National Catholic Register de 7 de janeiro de 2017. O quadro, em resumo, é o seguinte: em 6 de dezembro, o Grão-Mestre da Ordem de Malta, Fra Matthew Festing, na presença de duas testemunhas, uma das quais era o cardeal-patrono Raymond Leo Burke, pediu ao chanceler Albrecht Freiherr von Boeselager que renunciasse. Com efeito, tinha vindo à luz que o chanceler Boeselager, durante o período em que foi o Grande Hospitalário da Ordem, havia abusado de seu poder promovendo a distribuição de milhares de preservativos e contraceptivos, inclusive abortivos, em alguns países do Terceiro Mundo. Apesar da promessa de obediência que o liga ao Grão-Mestre, o Grão-Chanceler recusou-se a renunciar. Contra ele foi então iniciado um procedimento para suspendê-lo de todas as posições que ocupava.

Boeselager pediu ajuda à Secretaria de Estado do Vaticano, que nomeou uma comissão de inquérito para “recolher elementos susceptíveis de informar plena e rapidamente a Santa Sé” sobre o assunto. Em 23 de dezembro, o Grão-Mestre da Ordem definiu como “inaceitável” a decisão do Secretário de Estado, observando que a remoção de Boeselager é um “ato de administração interna do governo da Ordem Soberana de Malta e, em consequência, recai exclusivamente na sua competência”. Com uma declaração subsequente de 10 de janeiro, o Grande Magistério reiterou a sua intenção de não cooperar com a comissão de investigação do Vaticano, “também a fim de proteger sua esfera de soberania com relação a iniciativas que se apresentam objetivamente (e, portanto, além das intenções, que são juridicamente irrelevantes) como visando questionar ou pelo menos  restringir dita  esfera”.

A iniciativa do Vaticano parece ter sido uma enorme gafe. O sistema jurídico da Ordem de Malta é regulado pela Constituição de 1997. O artigo 3º da Constituição, parágrafo 1, afirma que “a Ordem é sujeito de direito internacional e exerce funções soberanas”. Estas são: o Poder Executivo, representado pelo Grão-Mestre, assistido pelo Conselho Soberano; o Poder Legislativo, representado pelo Capítulo Geral; o Poder Judiciário, representado pelos Tribunais Magisteriais. A Ordem de Malta emite passaportes diplomáticos e possui escritórios extraterritoriais em Roma, onde oficialmente recebe os representantes de mais de cem países com os quais mantém relações de igual para igual.

A Ordem tem relações privilegiadas com a Santa Sé, mas com plena autonomia. A Santa Sé nomeia um cardeal-patrono e a Ordem o seu embaixador, de acordo com as normas do Direito internacional. Como observa o Prof. Paolo Gambi, apesar de ser detentora da natureza religiosa própria às Ordens dependentes da autoridade eclesiástica, a Ordem tem uma posição muito peculiar, “gozando de uma autonomia quase única na cena eclesiástica e limitando o influxo dessa natureza aos membros que emitiram votos” (La soberana militar Ordem de Malta en el orden jurídico eclesial e internacional, Ius Canonicum, XLIV, n. 87 (2004), pp. 197-231). O artigo 4, parágrafo 6 da Constituição da Soberana Ordem de Malta é claro ao afirmar que “a natureza religiosa não exclui o exercício das prerrogativas soberanas relativas à Ordem enquanto sujeito de direito internacional reconhecido pelos Estados”.

A confirmação de tal status de direito internacional, inclusive em relação à Santa Sé, encontra-se no Anuário Pontifício, onde a Ordem é mencionada apenas uma vez, e não entre as Ordens religiosas, mas antes como uma das Embaixadas dos Estados acreditados junto à Santa Sé. A Constituição de 1997 também eliminou várias intervenções eclesiásticas previstas anteriormente, como a aprovação da Santa Sé para a validade da eleição do Grão-Mestre e o consentimento expresso dela para que a profissão solene de votos seja válida.

A competência da Santa Sé sobre a vida religiosa dos Cavaleiros diz respeito apenas àqueles pertencentes à primeira classe, os Cavaleiros de Justiça, que emitem, de forma solene, os três votos monásticos. Os membros da segunda classe, os Cavaleiros na Obediência, cuja promessa nada tem a ver com o voto de obediência dos Cavaleiros de Justiça, estão subordinados apenas aos seus superiores na Ordem. O ex-Grão-Chanceler Albrecht von Boeselager, casado e pai de cinco filhos, é um leigo que pertence à segunda classe, não dependendo de nenhum modo da Santa Sé. Além disso, os Cavaleiros de Justiça, que devem ser considerados “religiosos para todos os efeitos” (artigo 9 parágrafo 1 da, Constituição), não têm vida em comum e representam um unicum na vida da Igreja. Fra Ludovico Chigi Albani della Rovere (1866-1951), Príncipe e Grão-Mestre da Ordem de 1931 a 1951, após a morte de sua esposa (1898) pronunciou os votos religiosos como Cavaleiro da Justiça, mas continuou a viver no Palazzo Chigi [atual sé do Grande Magisteriado da Ordem], que até 1916 era propriedade de sua família, levando uma vida de grande senhor, como competia à sua condição.

Naturalmente, a Igreja tem sobre a Ordem de Malta os mesmos direitos que tem em relação a cada Estado, quando estão em jogo questões que afetam diretamente a fé e a moral. O Papa, de fato, tem o direito e o dever de intervir em toda questão social e política relacionada com a consecução do fim supremo do homem, que é a vida eterna. Se, por exemplo, um Estado legitima as uniões sexuais contra a natureza, o Papa tem o dever de intervir, denunciando a grave violação da Lei divina e natural. E se a Ordem de Malta estiver promovendo a contracepção e o aborto, o Papa tem o dever de fazer ouvir sua voz. Hoje, pelo contrário, a Igreja se abstém  de pronunciar-se sobre problemas morais que Lhe são próprios [a distribuição de preservativos], e intervém em questões políticas e administrativas que fogem de sua alçada [a suspensão do ex-Grão-Chanceler].

Christopher Lamb cita no Tablet de 5 de Janeiro uma carta enviada em 21 de dezembro a Fra Matthew Festing pelo Secretário de Estado, cardeal Pietro Parolin, na qual se nota que o Papa Francisco deseja que a remoção de von Boeselager não ocorra. “Como já expressei em minha carta anterior, de 12 de dezembro de 2016: sobre o uso e a difusão de métodos e meios contrários à lei moral, Sua Santidade pediu um diálogo sobre o modo pelo qual podemos enfrentar e resolver eventuais problemas. Mas ele jamais disse para exonerar ninguém!”.

Portanto, com relação àqueles que violam a lei divina e natural, o caminho é o do diálogo e da mão estendida. Para quem, pelo contrário, defende a fé e a moral católica, está pronta a vara do comissariado político e da comissão de inquérito.

O grupo de cavaleiros que faz coro com Albrecht von Boeselager representa a corrente secularista, que gostaria de transformar a Ordem de Malta numa ONG humanitária, enquanto a atual equipe dirigente representa a fidelidade às raízes religiosas da Ordem. Mas esse é, aliás, o seu grande pecado, ao qual se soma outro. Ao longo de nove séculos de história, a Soberana Ordem Militar de Malta nunca perdeu sua fisionomia aristocrática, cavalheiresca e soberana. Esta fisionomia representa a antítese do miserabilismo e do igualitarismo professados por aqueles que hoje governam a Igreja. O resultado é que se denuncia o clericalismo, mas se o aplica, de fato, com desastrosas consequências. A truculenta intervenção da Secretaria de Estado em nome do Papa Francisco está, de fato, causando caos e divisões dentro da Ordem.

A Soberana Ordem Militar de Malta superou todas as vicissitudes ao longo de sua história. Durante dois séculos na Palestina, dois séculos em Rodes e dois séculos e meio em Malta, muitas vezes sua missão pareceu caducar. Mas a instituição sempre se reergueu, mesmo quando se alastrou pela Europa o turbilhão da Revolução Francesa e de Napoleão. Deve-se esperar que o Grão-Mestre Fra Matthew Festing e o Conselho Soberano que o assiste saibam resistir com firmeza às fortes pressões que estão recebendo nestes dias.

Ninguém teria podido duvidar do amor ao Papado do Grão-Mestre Ludovico Chigi Albani, que na sua qualidade de Marechal da Santa Igreja Romana participou de três eleições pontifícias. No entanto, ele se opôs tenazmente a qualquer tentativa eclesiástica de ingerência na vida da Ordem. A Santa Sé devia reconhecer a natureza soberana da Ordem de Malta, “sem a interferência de outras autoridades seculares ou religiosas”, como recordou Bento XVI ao receber os cavaleiros, por ocasião do nono centenário da bula pontifícia Pie postulatio voluntatis de 15 de fevereiro de 1113, que reconheceu a Ordem e outorgou-lhe seus privilégios. Com este ato solene, disse o Papa Bento XVI, “Pascoal II colocava a recém-nascida ‘fraternidade hospitalar’ de Jerusalém, em homenagem a São João Batista, sob a tutela da Igreja, e a tornava soberana”.

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IV. 24/01/2017 Grão-mestre da Ordem de Malta renuncia a pedido de Francisco

Por Edward Pentin, National Catholic Register, 24 de janeiro de 2017 | Tradução: : O grão-mestre dos Cavaleiros de Malta renunciou após uma disputa entre a Ordem e a Santa Sé, confirmou o porta-voz da antiga organização.

Segundo o porta-voz, Fra’ Matthew Festing renunciou após o papa Francisco pedir-lhe que deixasse o posto em um encontro na terça-feira, segundo a Reuters.

Grão-mestre da Ordem de Malta“O Papa lhe pediu que renunciasse e ele concordou”, declarou o porta-voz, acrescentando que o próximo passo seria uma formalidade em que o Conselho Soberano da ordem aprovaria a renúncia extremamente incomum. Normalmente, os grão-mestres ocupam o posto de modo vitalício.

A Ordem agora será administrada por seu número dois, o Grão-comandante, até que o novo líder seja eleito.

A Ordem de Malta e o Vaticano entraram em um embate, no mês passado, quando Fra’ Festing demitiu o Grão-chanceler Albrecht Freiherr von Boeselager, a terceira maior autoridade da Ordem. Pediu-se que Boeselager renunciasse e, quando ele se recusou por duas vezes, ocorreu a demissão justificada por insubordinação.

A razão ostensiva por trás do pedido de renúncia apresentado a Boeselager foi a de que ele foi considerado, em última instância, o responsável, após uma comissão de investigação, por permitir que contraceptivos fossem distribuídos pela agência humanitária da Ordem. Porém, a Ordem também alega ter havido outros fatores “confidenciais” em jogo, bem como uma “perda de confiança”.

Boeselager protestou contra as acusações e argumentou contra a forma como se deu sua demissão. Ele apelou ao Papa, que erigiu uma comissão de cinco membros para investigar as circunstâncias incomuns da demissão. Fra’ Festing recusou a cooperar, afirmando que a comissão estava interferindo na soberania e no direito da Ordem de gerir seus assuntos internos.

Também por trás da disputa estavam acusações de uma ambiciosa associação alemã competindo pelo controle da Ordem, acusações de que o Grão-mestre estava sendo excessivamente autoritário, e conflitos de interesse entre os membros da comissão da Santa Sé.

Três membros da comissão, juntamente com Boeselager, estiveram envolvidos em uma doação recebida de $118 milhões por um fideicomissio na Suíça. Apesar de a documentação comprovar o contrário, o fideicomissio negou qualquer ligação com a Ordem.

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V. 26/01/2017 O Papa “comissaria” a Ordem de Malta. Agora se espera a punição para o Cardeal Burke

Por Riccardo Cascioli, La Nuova Bussola Quotidiana, 26 de janeiro de 2017 | Tradução:  – A dura e extraordinária intervenção do Papa Francisco, que forçou a renúncia do Grão-Mestre Robert Matthew Festing, para logo em seguida, anunciar uma espécie de liquidação da Soberana Ordem Militar de Malta, parece ser apenas o início de um terremoto, quer seja na Igreja, quer seja no campo das relações internacionais.

Em jogo estão muitas questões importantes: a correspondência entre as atividades beneficentes e a doutrina da Igreja, bem como a independência de um Estado soberano, mas, antes de mais nada, o que parece cada vez mais evidente é que pelo tom de toda a celeuma, o objetivo mesmo é a cabeça do Cardeal Raymond L. Burke, que é o Cardeal Patrono da Ordem de Malta, uma figura que atua um pouco como “capelão” e um pouco como diplomata representando o Vaticano junto à Ordem. Burke está entre os cardeais que mais manifesta perplexidade diante de algumas escolhas e decisões do Papa Francisco e é um dos quatro signatários dos Dubia acerca da Amoris Laetitia. Não é de hoje que ele está na mira. Tanto é que sua própria nomeação como patrono da Ordem de Malta em novembro de 2014 já foi um rebaixamento do seu cargo como prefeito do Tribunal da Assinatura Apostólica.

Como é de conhecimento público, a crise teve início quando, em novembro passado, o Grão-Mestre Festing destituiu o chanceler Albrecht Freiherr von Boeselager, acusado de ter incentivado a distribuição de contraceptivos na África e Ásia no âmbito dos programas de desenvolvimento financiados pela Ordem. Boeselager negou as acusações, não aceitou a demissão e pediu a intervenção da Santa Sé, que da sua parte resolveu nomear uma comissão, encabeçada pelo arcebispo Silvano Tomasi, responsável por verificar como os eventos se sucederam. Em nome da Ordem de Malta, Festing declarou seu desejo de não colaborar com a comissão do Vaticano por considerá-la como uma interferência indevida nos assuntos internos de um órgão soberano. A resposta da Secretaria de Estado do Vaticano foi imediata, reivindicando a legitimidade da investigação, que seria apenas com a intenção de se por a par da situação, tomar conhecimento. Mas a queda de braço seguiu adiante até a virada inédita de 24 de Janeiro.

Naquele final de tarde, o Papa Francisco convocou Festing e pediu sua demissão imediata, induzindo-o a escrever diante de sua presença a carta requerida. É claro que não sabemos todo o conteúdo do colóquio, mas a pressão moral deve ter sido fortíssima pra fazer Festing engolir o comunicado de alguns dias atrás onde ele defendia enfaticamente a soberania da Ordem. E também há rumores de que nessa carta de demissão, poderia haver referências ao papel ativo que o Cardeal Burke teria desempenhado na destituição de Boeselager.

Na verdade, desde que o caso explodiu, fontes bem próximas ao Papa Francisco insistem muito sobre uma suposta responsabilidade de Burke, o qual  teria ostentado um apoio inexistente do Papa à decisão de torpedear o Grão-chanceler. A partir deste ponto de vista, é interessante perceber, como exatamente sobre esse ponto têm insistido muito os cabeças do Vatican Insider, cujo trabalho de franco atiradores – como se sabe – é implacável. Em vão, Burke nega o fato e as circunstâncias, alegando que ele como Cardeal Patrono não tem voz nas decisões do Capítulo, que são fruto de procedimentos internos da Ordem. As acusações contra ele estão num contínuo crescimento, embora esteja claro que por trás do confronto na Ordem, há divisões que se arrastam há anos entre os diferentes grupos nacionais e que foram recentemente enriquecidas por uma disputa em torno de um legado de € depositado em um Fundo na Suíça.

Em todo caso, ontem, 25 de janeiro, a Sala de Imprensa da Santa Sé – com um humorismo não-intencional – anunciou a aceitação da renúncia do Grão-Mestre Festing. Além do mais, divulgou a futura nomeação de um delegado pontifício chamado para governar a Ordem (confiada ao Grande Comendador nesse ínterim). Em outras palavras, a Ordem de Malta é considerada como  um “comissariado” da Santa Sé.

Esta é uma decisão sem precedentes, que causou grande confusão e terá repercussão internacional: a Ordem de Malta é de fato um Estado soberano, um Estado sem território, que também tem um embaixador junto à Santa Sé. Como bem observado pelo semanário britânico The Catholic Herald, a decisão do Papa equivale a uma anexação real, uma clara violação do direito internacional que, em última análise, ameaça até mesmo a independência da Santa Sé. Com um precedente deste tipo, como poderia a Santa Sé se defender legalmente se, por exemplo, um dia “o Governo italiano resolvesse ver a independência da Cidade do Vaticano como uma formalidade anacrônica”?

Enquanto isso, no presente, a decisão arrisca destruir a milenar atividade da Ordem de Malta que está presente em todo o mundo com “obras de misericórdia para os doentes, os necessitados e os sem pátria”, como ditado pela sua Constituição. A presença da Ordem de Malta em mais de cem países é garantida pela representação diplomática, que agora pode ser colocada sob discussão exatamente por causa desta perda de soberania.

Seria um dramático gol contra para a Igreja e seria verdadeiramente incompreensível se, em seguida, vier a ser confirmado que o objetivo de toda essa celeuma é a cabeça do Cardeal Burke. A insistência com a qual ele vem sendo acusado de ter feito do Papa um escudo para torpedear uma persona non grata – ignorando, no entanto, o fato de ele já ter negado isso  – indicaria a disposição para uma punição pesada (para um cardeal está entre as piores acusações). Ainda mais se for confirmada a “confissão” imposta ao Grão-Mestre Festing. Tudo isso nos leva a pensar que querem se aproveitar desta oportunidade para chegar àquela punição exemplar invocada por alguns prelados logo após a publicação dos Dubia que os cardeais haviam assinado: ou seja, a remoção do título de Cardeal.

De qualquer modo, a impressão é de que estamos só no início.

Fonte:

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VI. 26/01/2017 Edward Pentin: Papa Francisco convocou reservadamente para audiência o Grão-Mestre da Ordem de Malta e pediu que escrevesse sua renúncia na hora. E que declarasse ter sido influenciado por Burke

 

Por Edward Pentin, National Catholic Register, 26 de janeiro de 2017 | Tradução: – O Papa Francisco declarou que todas as ações tomadas pelo chefe da Ordem de Malta e seu Conselho de Administração, desde a demissão de Boeselager no mês passado, são “nulas e sem efeito”, incluindo a eleição do substituto de Boeselager.

Escrevendo em nome do Papa aos membros do Conselho de Governo da Ordem, no dia 25 de janeiro, o secretário de Estado do Vaticano Cardeal Pietro Parolin, afirmou que o Santo Padre, “com base em evidências que emergiram a partir de informações que ele reuniu, determinou que todas as ações tomadas pelo Grão-Mestre depois de 6 de dezembro de 2016, são nulas e sem efeito”.

Edward Pentin

Ele acrescentou: “O mesmo é verdadeiro para aqueles do Soberano Conselho, como a eleição do Grão-chanceler interinamente.” O Conselho elegeu  Fra ‘John Critien como substituto temporário de Boeselager.

Cardeal Parolin começa sua carta ressaltando que o Grão-comandante, Ludwig Hoffmann von Rumerstein, está agora encarregado da Ordem, acrescentando que “no processo de renovação que é visto como necessário”, o Papa “nomearia seu delegado pessoal com poderes que ele mesmo vai definir no ato de sua nomeação”

O Grão Mestre Fra ‘Matthew Festing apresentou sua renúncia no dia 24 de janeiro, de acordo com uma declaração do Vaticano, de 25 de janeiro. O Vaticano acrescentou ainda no comunicado que no dia seguinte “o Santo Padre aceitou a sua demissão.”

Além disso, o Vaticano disse que o governo da Soberana Ordem passaria a ser administrado pelo “Grão-comandante interino enquanto se aguarda a nomeação do Delegado Pontifício”.

O Papa convocou Fra’Festing ao Vaticano no dia 24 de janeiro, dando-lhe instrução rigorosa para não deixar que ninguém viesse a saber sobre a audiência – um modus operandi que tem sido usado com frequência durante este Pontificado, mas que Register tomou conhecimento. Durante o encontro, Francisco pediu a Fra ‘Festing para que ele se demitisse imediatamente, algo com o qual o Grão-Mestre teve que concordar. O Papa, então, ordenou-lhe para escrever sua carta de demissão ali mesmo no local, de acordo com fontes bem informadas.

Register também tomou conhecimento de que o Papa disse a Fra ‘Festing que a razão pelo qual estava pedindo sua renúncia foi a convicção do pontífice de que ele tem que fazer uma nova “investigação mais profunda” da Ordem, e que tal  investigação seria “mais facilmente conduzida se o grão-mestre renunciasse.”

Também foi revelado ao Register, que o Papa então fez Fra ‘Festing incluir em sua carta de renúncia, que o Grão-Mestre havia pedido a demissão de Boeselager “sob a influência” do Cardeal Raymond Burke, o patrono da Ordem. No entanto, como patrono, o Cardeal não tem nenhum poder de governo na Ordem, podendo apenas aconselhar o Grão-Mestre, o que significa que a decisão de demitir o Grão-chanceler pertence exclusivamente ao Grão-Mestre.

Perguntado se poderia confirmar esta versão dos acontecimentos envolvendo o encontro de Fra ‘Festing com o Papa, o Vaticano respondeu ao Register no dia 26 de janeiro, que não fornece “nenhum comentário sobre conversas privadas.”

Se o Grão-Mestre foi pressionado a renunciar, alguns dentro da Ordem estão especulando sobre a validade de sua renúncia, já que essa foi exigida imediatamente, sem dar-lhe tempo para sequer considerar o assunto. Eles também estão preocupados com o que se parece prenúncio de um expurgo futuro na Ordem.

Além disso, alguns estão se perguntando que, se todos os atos do Grão-Mestre desde 6 de dezembro são nulos, como o Cardinal Parolin afirmou em sua carta, isso também incluiria o ato de renúncia de Fra ‘Festing ao Papa.

No sábado, o Conselho Soberano reúne-se para votar se a aceitam ou não a renúncia do Grão-Mestre.

Segue abaixo a tradução da carta do Cardeal Parolin:

carta do Cardeal Parolin

“Distintos Membros do Conselho Soberano, 

 

Gostaria de informar-lhes que . Fra ‘Matthew Festing, Grão-Mestre da Ordem, na data de 24 de Janeiro de 2017, entregou sua demissão nas mãos do Santo Padre Francisco, o qual a aceitou.  

Como a Constituição da Orde

m prevê no Art. 17 § 1, o Grão-comendador assumirá a responsabilidade de governo interinamente. Nos termos do Art. 143 do Código Maltense, ele providenciará de informar aos Chefes de Estado com os quais a Ordem mantém relações diplomáticas e as diferentes organizações ligadas à Ordem. 

 

Para ajudar a Ordem no processo de renovação que é visto como necessário, o Santo Padre irá nomear seu delegado pessoal com poderes que ele vai definir no próprio ato de sua nomeação. 

 

O Grão-comendador, em seu papel de tenente interino, exercerá os poderes previstos no Art. 144 do Estatuto da Ordem até o Delegado Pontifício ser nomeado. 

 

O Santo Padre, com base em evidências que surgiram a partir de informações que ele reuniu, determinou que todos os atos realizados pelo Grão-Mestre depois de 6 de dezembro de 2016, sejam nulos e inválidos. O mesmo é verdadeiro para aqueles atos do Conselho Soberano, como a eleição ad interim do Grão-chanceler

 

O Santo Padre, reconhecendo os grandes méritos da Ordem na realização de muitas obras em defesa da fé e no serviço aos pobres e doentes, expressa sua preocupação pastoral para com a Ordem e espera a colaboração de todos neste momento delicado e importante para o futuro. 

 

O Santo Padre abençoa a todos os membros, voluntários e benfeitores da Ordem e lhes sustenta com suas orações.

 

Pietro Paraolin

 

Secretário de Estado

Fonte:

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VII. 30/01/2017 O Papa e a Ordem de Malta: uma vitória de Pirro?

Por Roberto de Mattei, Corrispondenza romana, 25-01-2017 | Tradução: Hélio Dias Viana – : A renúncia do Grão-Mestre da Ordem de Malta, Matthew Festing, imposta por Francisco em 23 de janeiro, é susceptível de transformar-se numa vitória de Pirro. O Papa Bergoglio obteve o que queria, mas teve de usar a força, fazendo violência à lei e ao bom senso. O que terá consequências graves não só no interior da Ordem de Malta, mas entre os católicos do mundo inteiro, cada vez mais perplexos e confusos pelo modo como Francisco governa a Igreja.

O Papa sabia que não possuía qualquer direito legal para intervir na vida interna de uma Ordem soberana, e muito menos para exigir a renúncia de seu Grão-Mestre. Também sabia que este não poderia resistir à pressão moral de um pedido de renúncia, ainda que ilegítima.

O Papa e a Ordem de Malta

Assim agindo, o Papa Bergoglio exerceu um ato de império abertamente contrastante com o espírito de diálogo, que foi o leitmotiv do ano da misericórdia. Mas, o mais grave é que a intervenção foi para “punir” a corrente que na Ordem é mais fiel ao Magistério imutável da Igreja e apoiar a ala laicista, que gostaria de transformar os Cavaleiros de Malta em uma ONG humanitária, distribuidora de preservativos e abortivos, “para fazer o bem”. A próxima vítima parece ser o cardeal-patrono Raymond Leo Burke, que tem a dupla “culpa” de ter defendido a ortodoxia católica dentro da Ordem e de ser um dos quatro cardeais que criticaram os erros teológicos e morais da Exortação bergogliana Amoris laetitia.

Em seu encontro com o Grão-Mestre, o Papa Francisco anunciou-lhe a sua intenção de “reformar” a Ordem, ou seja, a vontade de elidir o seu caráter religioso, embora seja precisamente em nome da autoridade papal que ele quer começar a suspensão das normas religiosas e morais. Trata-se de um projeto de destruição da Ordem, que naturalmente só poderá acontecer através da rendição dos Cavaleiros, os quais infelizmente parecem ter perdido o espírito militante que os distinguia nos campos de batalha das Cruzadas e nas águas de Rhodes, Chipre e Lepanto. Ao fazê-lo, no entanto, o Papa Bergoglio perdeu muito de sua credibilidade, não só aos olhos dos próprios cavaleiros, mas de um número crescente de fiéis que sentem a contradição entre o seu modo de falar, cativante e melífluo, e o de agir, intolerante e ameaçador.

Passemos do centro à periferia, a qual, entretanto, para o Papa Bergoglio, é mais importante do que o centro. Poucos dias antes da demissão do Grão-Mestre da Ordem de Malta, outra notícia na mesma linha abalou o mundo católico. Dom Rigoberto Corredor Bermúdez, Bispo de Pereira, na Colômbia, por decreto de 16 de Janeiro de 2017, suspendeu a divinis o padre Alberto Uribe Medina, porque, segundo o comunicado da diocese, ele teria “expressado pública e privadamente sua rejeição ao magistério doutrinário e pastoral do Santo Padre Francisco, sobretudo no que diz respeito ao casamento e à Eucaristia”. O comunicado da diocese acrescenta que, por causa de sua posição, o sacerdote “se separou publicamente da comunhão com o Papa e com a Igreja”.

Portanto, o padre Uribe foi acusado de ser herege e cismático por recusar aquelas orientações pastorais do Papa Francisco que, aos olhos de tantos cardeais, bispos e teólogos, são suspeitas de heresia precisamente porque parecem afastar-se da fé católica. O que significa que o sacerdote que se recusar a administrar a comunhão a divorciados recasados ou a homossexuais praticantes será suspenso a divinis ou excomungado, enquanto aquele que rejeita o Concílio de Trento e a Familiaris Consortio é promovido a bispo e, talvez, a cardeal, como provavelmente espera Dom Charles Scicluna, Arcebispo de Malta, um dos dois prelados malteses que autorizaram oficialmente a comunhão para divorciados recasados que vivem more uxorio. Desta forma, o nome da pequena ilha do Mediterrâneo parece ter uma ligação misteriosa com o futuro do Papa Francisco, menos tranquilo do que se imagina.

Quem é hoje ortodoxo, e quem é herege e cismático? Este é o grande debate que se delineia no horizonte. Um “cisma de fato”, como o definiu o jornal alemão Die Tagespost, ou seja, uma guerra civil na Igreja, da qual a guerra no interior da Ordem de Malta é apenas um pálido prenúncio.

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